segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

e pronto, acabou-se. e agora? agora arregaçar as mangas, limpar as armas, preparar a luta.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

poema

nas montanhas mais altas do teu pensamento
nasce um rio
uma música suave e harmoniosa
vai descendo as montanhas e lavando a terra
é negra a terra
tornou-se magicamente fértil
vive-se nela sem ecos do passado
sem monstros vestidos de futuro
dança-se aí ao ritmo do vento
crianças irrequietas
talvez as tuas mãos
transformadas em quente
que foram um dia pássaros citadinos
nessas montanhas do teu pensamento de fogo
há um rio que corre e corre e corre
sem parar nunca
um rio que tudo lava e tudo leva
que é o lugar perfeito para deitar cartas
cartas que ardem na tua água pura
hei-de afogar-me silencioso dentro de ti
se descobrir onde escondes a tua porta
já sei que nasceste um dia
e isso me basta para que o mundo siga
para que o sol me brilhe
mesmo que não estejas a meu lado nas manhãs absurdas da vida
quando abro os olhos e vejo o céu de cinza
que tudo cobre que é obscuro
bebo a água fresca do mundo
tu tornas-te na água que me atravessa
eu sinto-te em mim
fresca água límpida pela boca
ah afogar-me
ah beber-te
acordar depois das noites de silêncio
acordar nas manhãs de ruído
onde estás?
voltarás?
que nome tens agora?
já não tenho asas
e quando a fome me revolve por dentro
eu insisto nela até que me doa
e só assim me sinto

banda sonora dos dias

sábado, 12 de dezembro de 2009

dúvidas do momento. fragmentos de teoria.

era demasiado fácil reconhecer o falhanço de uma impossibilidade, mesmo sendo ela o objectivo máximo que suportava toda a teoria, explicando melhor: mesmo sendo a utopia impossível é sempre ela quem define o rumo, ou, infelizmente, deveria ser. havia um teatro feito de madeira em que corria a seiva da vida última, carregado que estaria o palco com a intensidade mais brutal de todas, a intensidade do momento pré-morte, desde que consciente de si, um momento de lavagem final, de despedida, de passagem (nada de misticismos, quando morremos tornamo-nos pó e dissolvemo-nos no cosmos). acreditava eu que o teatro era essa zona de passagem real, a passagem que dava sentido à vida, uma espécie de meta-geometria, em que os actores, quais corpos comunicantes em vigília, ultrapassavam a dimensão da simples realidade. dois momentos marcantes nesse trabalho: um primeiro olhar, imediatamente a seguir ao nascimento, a magia da surpresa absoluta, o humano total, a máscara neutra pura; um outro olhar, último, o instante ínfimo antes da morte, o olhar da consciência sobre a vida, a certeza do corpo, a máscara menos neutra de todas, o corpo com vícios. dominava assim na teoria dois momentos: o nascimento que ligava ao corpo e a morte que identificava com a consciência.
momento actual e problema: a tal meta-geometria funciona quando se trata de colocar vários actores num palco, mas e quando se trata de um monólogo? num monólogo a questão do espaço palco, embora se trate de uma questão fundamental, passa inevitavelmente para segundo plano, o espaço de um monólogo é, acima de tudo, um espaço interpretativo. como fazer um monólogo sem que a contra-cena com o público seja num registo confessional ou sem que o personagem actor fale apenas consigo mesmo? tem de criar-se um compromisso. como se faz o argumento de um monólogo? o argumento de um monólogo será apenas um actor que espera o público e que o desanca com informação? pode haver acontecimentos num monólogo? acontecimentos não é uma palavra boa para aqui, claro que pode haver acontecimentos, mas acontecimentos história, em que o público quase que entre num local em que apanhe um bocado real da vida, como que por acaso, e que esse personagem, como que por acaso, sabe que está a ser observado... mas insiste no seguimento da vida como se nada fosse.
como escrever um monólogo que não se fique pela confissão?
como encenar um monólogo?
como trabalhar apenas com um actor?
qual o papel de um encenador num monólogo?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

não se escreve aqui porque:

se escreve noutro lugar. estou de volta de um monólogo que quero ter acabado antes do fim do ano. se escrever para aqui... perco-me daquilo e não me apetece nada fazer isso. ando a usar demasiado a escrita como um escape e estou farto disso. preciso de escrever consistente. preciso de criar coisas. de qualquer forma, tenho uns textos na cabeça para aqui enfiar. de certeza que serão terríveis!!!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

como se o amanhã fosse eterno. dizia-me: não vás. e assim se prendia o sonho por mais umas horas. mas o sonho não pode ser agarrado. nem o amanhã é eterno. e eu ia.
tinha uma vida cheia de acontecimentos. todos eles marcantes. uma vida de superfícies planas. sem qualquer tipo de contúdos. sabia de tudo o que se passava no mundo. tudo lhe passeava debaixo dos olhos como se de um desfile se tratasse. era um homem solitário. constantemente acompanhado por um entra e sai de gente anónima e ao mesmo tempo habitual, conhecidos do dia a dia, clientes desejosos de saber as últimas, os horrores frescos que acompanham o café e a família. uma vida de letras grandes. mergulhado que vivia no cheiro de tinta e de papel. de revistas e de jornais. de tabaco. canetas. lápis. coisas. marroquinarias que serviam de prendas de última hora para os desastrados, para os que na verdade não ligavam aos laços, para os que na verdade se esqueciam do outro. ele vivia ali. numa loja sombria e um pouco húmida. no meio dos jornais. nacionais e internacionais. diários. semanários. de boa qualidade uns. pasquins do fogo de artifício outros. sabia todos os títulos de memória desde o primeiro dia. todos não. alguns já se lhe escapavam. havia uns que eram mais explosivos. outros nem tanto. dias com mais ou menos acção. às vezes os clientes metiam conversa sobre os assuntos e ele, com a sua vergonha nobre, lançava um título ou outro como que a explicar o desenvolvimento do acontecimento em si, a história do mundo em letras gordas, em capas, em imagens. títulos que desfilavam debaixo dos seus olhos, frases marcantes, tantas e tantas emoções retratadas dentro do seu mundo de papel. ao fim do dia o nada. a chegada a casa já não tinha qualquer significado. tirava a roupa. vestia o seu pijama velho. comia uma sopa e um bocado de pão. deitava-se. estava o dia ganho ou perdido, dependendo da perspectiva. de manhã cedo. uma espécie de labuta habitual. café. sair de casa muito cedo para arrumar a banca. para ordenar os jornais do dia na sua forma já habitual e demasiado rotineira. mais um dia. casa no fim. cama. manhã. por vezes parava no café da esquina para beber um copo e ouvir umas conversas, por vezes para além de beber esse copo e ouvir essas conversas ainda fazia sinal à senhora para subir ao quartinho, como ela lhe chamava. precisava desses rasgos na sua vida. estava demasiado conformado com o seu dar para que pudesse abandonar esse pequeno vício, estava demasiado metido nos dias, nas pessoas, nos pedidos, no mundo em farrapos que não compreendia, nem queria, quem quer afinal compreender o mundo? era um sábado de tarde. ao sábado sempre fechava na hora de almoço, estava convencionado assim, o negócio ao sábado fazia-se de manhã, com os senhores que iam para os cafés, que se punham em posições exibicionistas, cambada de incapazes, reis de nada, pediam o jornal com a sua arrogância do saber, chegavam ao café central da cidade e aí se punham, altivos, como se de um trono se tratasse, como se alguém os visse, como se não fossem eles que observassem os outros, enfim... adiante, cada geração sabe de si, cada geração projecta-se no mundo com os dados que possui. era um sábado. estava na hora do almoço. ao sábado dava sempre um pequeno passeio pela cidade, um pequeno passeio porque a cidade era pequena, normalmente almoçava um bocado de pão com conduto no banco do jardim municipal, depois tomava um café no central, apanhava o regresso dos senhores já de barriga cheia, depois do tão familiar almoço de sábado. nesse dia, sem saber porquê deixou-se ficar pelo central. pediu um copo. depois pediu outro. depois outro. e outro. e outro. já o empregado o olhava de lado quando pediu ainda outro. pagou. saiu para a rua mas ia já cambaleante. era a hora do passeio pela cidade. passou pelo jardim como que à procura de alívio para o tempo. os velhos. com os seus jogos e as suas conversas, aguardado a morte passivamente mas vestidos de acção. tudo aquilo o aborrecia tremendamente. passou pelo jardim como um tiro que se suspende mas que logo segue a sua marcha veloz em direcção ao alvo, pena que não fosse o infinito. nesse dia tudo o aborrecia. ao mesmo tempo que via tudo um pouco turvo pelo efeito da bebida. tudo o aborrecia mas tudo estava diferente, a cidade estava mergulhada no nevoeiro da embriaguez, tudo na sua cabeça. saiu do jardim e foi até ao café da esquina. pediu mais um copo. ouviu as conversas. olhou para a senhora e pensou no quartinho. para quê? bebeu o copo lentamente. meditava. pensava ansiosamente na senhora. nunca compreendeu o porquê de ir sempre com a senhora e com nenhuma das miúdas novas que estavam do outro lado da rua. era assim. talvez ela o compreendesse. talvez a solidão dela fosse ainda mais terrível do que a sua. os seus encontros eram sempre iguais. mecânicos. ele fazia-lhe sinal. ela saía. ele ia atrás dela. entravam numa porta ao lado do café da esquina. subiam ao quartinho. ela tirava a roupa. ele tirava a roupa. ela deitava-se. ele deitava-se. punha-se nela. explodia nela. vestia-se. deixava o dinheiro na mesa de cabeceira enquanto ela não o olhava. despedia-se. ia para casa. tinha um certo pudor em tocar na senhora. não se punha nela com violência nem com delicadeza. era um acordo. algo necessário. era físico. nesse dia, ela parecia-lhe extremamente bela, no meio daquele aborrecimento geral do mundo, a senhora tinha uma aparência de anjo translúcido e puro, cristalino, que tinha a marca da salvação escrita no seu corpo. fez-lhe um sinal, mas desta vez, foi um estranho sinal de vergonha, ela saiu, ele foi atrás dela. subiram ao quartinho. ela despiu-se. ele não. sentou-se na cama. disse-lhe: pode abraçar-me? ela sem uma palavra abraçou-o. ali estiveram uns segundos com o valor da eternidade. ele chorou sobre os braços dela. levantou-se. procurou o desviar dos olhos da senhora para deixar o dinheiro na mesa de cabeceira. mas ela não tirava os olhos dele. a senhora disse-lhe: hoje não quero dinheiro leve-me a jantar. ele limpou as lágrimas. disse-lhe: claro que sim passo depois a buscá-la pode ser? ela respondeu: claro que sim fico à sua espera. ele saiu. ainda era muito cedo. não tinha para onde ir. foi até casa. entrou. sentou-se. bebeu água. a bebida começava a desaparecer. sentia um vazio tão grande dentro de si. começava a aborrecer-se. decidiu ir à loja. abriu a porta e entrou no seu mundo. o seu mundo de sempre. o seu aborrecimento de sempre. abriu um pacote de tabaco e fumou um cigarro. soube-lhe mal. sentou-se num banco. olhou para as revistas penduradas nas paredes, para os jornais já do passado, sentiu uma profunda melancolia. e a senhora que teria de levar para jantar. teria de conversar. os jornais e os seus títulos gigantes e gordos. a melancolia. a senhora. a maldita ressaca que lhe provocava securas na boca e ardores no estômago. o vazio. o seu mundo sem perspectivas. começa a chorar como um rio em erupção. rasga papeis. parte o balcão. esfrega os papeis no seu corpo como num acto de amor próprio. pensa na senhora. na senhora que o espera. nas mãos dos outros que tocam na senhora. nos outros que se correm dentro da senhora. como num flash de tempo deita fogo ao espólio do mundo. tudo arde em labaredas coloridas com os químicos dos jornais, as quinquilharias derretem, o tabaco queima-se, tudo arde à sua volta, ele chora, tudo arde, a loja arde, o ar arde. a senhora espera. a senhora espera.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009


uma vez meti aqui esta por uma pausa anunciada. hoje volto a ela por um regresso.