segunda-feira, 27 de julho de 2009

um país
sonolência
drogas no aeroporto
silêncio na chegada
deriva
procurar rumos
cantos
gente
palavras
de repente estar no meio do nada
sem rede
sem uma corda
sem uma música
sem ouvir a tua voz
ou sem que a tua voz seja suficiente
apetece dizer a mesma coisa de sempre
MERDA
só tu percebes o que eu quero dizer

ainda de férias...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

banda sonora dos dias

de directa e com olhos meio fechados para um país que já não se reconhece. Lisboa. uma Lisboa em que a luz de outros tempos é agora outra. a outra que é ainda a mesma. fumar cigarros no aeroporto. entrar no taxi e desabafar: quero beber uma Sagres, comer um pastel de bacalhau, comprar A Bola, fumar um Português amarelo!!! ai ai ai, o taxista dá-te a triste notícia que o teu tabaco de sempre já não existe, fónix, nem me digam isso... depois de procurar em alguns lugares... existe sim senhora!!! nem tudo está perdido. depois dão-se abraços que, por muito que se diga que não, ainda são os mesmos de antes, é incompreensível. anda-se à deriva numa cidade. a língua que se ouve na envolvência dos lugares é a tua mas soa-te demasiado estranha. depois vais para a tua terra que já não é tua. nada te prende aí. o amor longe. a mãe fora. ai ai ai. lá estão os amigos, cada vez menos, as minis, os jogos de futebol... enfim... enfim... enfim... o tempo que passa demasiado lento, a insolência interna do vazio. ainda não me digeri.

domingo, 12 de julho de 2009

hoje à noite.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

acordar cedo com o som da chuva dá nisto

como chegar à expressão das coisas no ponto máximo da realidade sensível? por exemplo, agarro numa palavra. morte. junto-a a mim. eu morte. eu a morte. posso seguir infinitamente o carácter do exercício. vou acrescentando riscos. palavras. descobrindo sentidos para o que escrevo. o que é importante é que se insiram na respiração da frase. eu a morte. é já uma frase com potencial. falta-lhe um verbo. eu a morte quero-a. altero. eu à morte quero-a. altero outra vez. a morte quer-me a mim. já me torno secundário nas linhas do mundo. e se inserida numa estrutura rítmica com o balanço suficientemente assumido. a frase pode dizer-se explosiva. a morte quer-me a mim. acrescentaria. puta. a morte quer-me a mim. a puta. a morte puta quer-me a mim. por aí em diante. isto são normalmente processos inconscientes de exploração do ritmo e do sentido. cada texto é único. não há correcções. não há voltar atrás. são palavras que surgem como um líquido pouco líquido. palavras mercúrio. o objectivo de um texto é chegar a um ponto em que o ritmo que tem dentro de si seja o ritmo da cabeça, não o ritmo da cabeça pensamento, antes o ritmo da cabeça verbal. a escrita como uma dança da língua. é um movimento do corpo sonoro que se conecta com uma fase profunda e por vezes obscura do pensamento. escrita realidade. já não há ficção possível nesta fase das coisas. talvez não tenha havido nunca. é escrever textos de ar. textos de respiração. textos feridas. textos de guerra. pode ser realmente que tenha a vida fodida e a cabeça em desvario. que as palavras me saiam como sangue. preciso que este sangue saia de mim até não haver mais gotas desse sangue. sangue história. sangue memória de terra. que estas malditas palavras saiam de mim até voltar à luz. a situação é de guerra. hei-de fazer o quê? só posso esperar que passe. não devia escrever coisas destas. deveria sair e passear e conhecer pessoas. uau. posso fazer tudo isso e continuar assim. com textos negros a serem escritos na cabeça. a serem perdidos para sempre. textos sem vida escrita. acontece-me uma coisa. ando pela rua. nesse caminho pela rua começo o texto. por dentro. vem o deslumbramento doentio da construção da frase. chego a casa e tento a passagem. não posso. não consigo. perco a mancha gráfica. porque um texto tem um grafismo inerente. e escreve-se com palavras e não com a cabeça. a cabeça está lá mas não é importante. a cabeça pode construir os textos que lhe der na gana. mas nunca serão escrita. serão possíveis poemas, possíveis ideias, possíveis imagens. a escrita é outra coisa. não que este pensamento não seja um bom exercício para a escrita, conjugações de palavras, de ritmos, de sentidos. mas a cabeça ela mesma não permite a leitura. não se pode publicar a cabeça. pode cortar-se a cabeça e mostrá-la por aí, pelos museus do mundo, pode cortar-se em fatias, pode mostrar-se o interior do cérebro, mas o que é isso? a cabeça está para a escrita como está para o teatro, só atrapalha, um actor não pode trabalhar com ideias porquê? porque ao trabalhar com ideias trabalha para as ideias e as ideias são irreais, não se vêem, o público não vê as ideias do actor, da mesma maneira que não pode ler a cabeça do escritor. isto são coisas físicas. registos. podem achar que lêem a cabeça do escritor enquanto lêem o texto, e aí ficam contentes porque pensam que o percebem. e é esse o engano. pensam que percebem a angústia ou a solidão ou a alegria ou o que seja. a questão é que há outros graus de entendimento que são partilhados com a escrita. outros tipos de comunhão. porque tudo se trata de comunhão. até o ódio é uma forma de partilha. nunca escrevi textos para serem lidos em voz alta. talvez por isso me tenha lido em público muito poucas vezes. agrada-me esta dimensão íntima. textos ao ouvido. claro que podem dizer que isto sou eu cheio de manias de escritor ou mandar outras patacoadas, como se eu neste momento conseguisse ter alguma mania. está de chuva hoje. talvez a chuva lá fora e o acordar muito cedo me façam escrever estas coisas. já não posso passar sem as palavras. dava tudo para ter tempo. dava tudo para ter tempo. hei-de revolver-me nesta merda. é uma promessa de um cão. hei-de resolver-me nesta merda nem que para isso me esventre todo, nem que para isso tenha de espalhar as minhas tripas cancerígenas em folhas brancas. lá estou eu... como se isto adiantasse alguma coisa. isto de estar triste é um pincel daqueles... vou fazer café.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

o silêncio. ao nome.

a minha voz última sinto-a entrecortada. é uma voz sem força. já não respiro como dantes. já não saio de mim como dantes. tenho frases mais pequenas e com mais pausas. sou uma página com menos distância. falo para dentro. se visses a minha figura agora de certeza que irias achar decadente. de certeza que te iria meter nojo. devo parecer um velho. tenho evitado olhar-me. ando a disfarçar-me de alguma coisa para evitar que me reconheça. é ter saudades dos teus ombros. sim sou impossível. tão impossível como qualquer outra coisa. talvez me tenha afundado na minha merda. já viste? as putas das portas fechadas. sou um doido varrido, é o que é. na verdade não passo disso. sou um doido varrido que pensa que o seu mundo é o real. tinha sorte, tu chamavas-me às coisas. mas agora... sem conexão, limitado nesta caixa cerebral, com necessidades de um qualquer chamamento... e é um silêncio que vem de lado e por cima que me provoca tremuras infindáveis na cabeça, nos braços. nesta treta de voz entrecortada. nesta lamentação constante. nesta necessidade louca de evasão. de explosão. de ruído. de massas de ar quente que te envolvem e te saturam o ar que respiras. sítios húmidos. covis de insectos. só aí me sinto vivo. é insuportável. eu nunca fui assim. foda-se. eu nunca fui assim. pode dizer-se que tinha riscos de ficar assim. mas eu não queria. como poderia eu querer? como? só se fosse completamente estúpido que conseguisse ignorar a tua luz. e ela nunca foi ignorada. e disto ninguém me diz o contrário. e já sei que para a frente é o caminho. e que não se pode esperar pela vida. já sei de muita coisa. não me serve para nada.

banda sonora dos dias. 4º1º

carta à mãe

o meu dia já vai longo na cabeça. talvez menos longo do que eu desejaria no corpo. estou entorpecido. tornei-me num bruto. naquilo que não queria nunca tornar-me. tenho pensado muitas vezes nas nossas lutas com o mundo. na maldita sobrevivência. tenho pensado muitas vezes nos sonhos de criança e depois no que esses sonhos se tornaram. uma espécie de amontoado de pó. estou um caco. provavelmente vais reparar nisso quando me voltares a ver. estou um caco pouco recomendável. pareço um soldado de uma guerra de dentro. sabes que sempre fui um problema. mas é assim. sou um problema com pequenos rasgos de luz marcados na vida. só agora é que já não acredito mais que essa luz volte a visitar-me. nem a deixar marcas. nem a deixar rastos. ultimamente é só feridas. também sei que faço por elas. também sei que a maior parte das vezes sou eu quem as chama. é aquela conversa que a avó tem sempre sobre o facto de eu me destruir aos poucos e constantemente. sabes o que acho que se passa agora? perdi tudo o que tinha para perder. sabes que eu preciso de sonhos. sempre precisei. vivia no meio deles. tantas vezes contra aquilo que tu dizias. mas era assim... as coisas lá se iam resolvendo, muitas vezes apenas por puro milagre, ou sorte, ou coisa que o valha, por imposição do destino. talvez eu tivesse a mania que era especial. talvez eu tivesse a mania que podia lutar contra o inevitável. talvez tanta coisa que nem sei muito bem como fazer análises deste estado. é um estado assim de vazio. sabes quando a prioridade máxima era fugir da violência das coisas? por vezes lembro-me disso. a violência perseguia os nossos passos. ia atrás de nós para todos os lugares. a violência. o desprezo. o descaramento. a fome. o não ter nada e ser feliz com isso. numa ilusão qualquer de que tudo se iria resolver. fosse lá como fosse. e as coisas iam e vinham. umas vezes mais e outras menos. era assim. por ciclos. o monstro desapareceu e nunca foi necessário. foi a alegria absoluta. o monstro que agora precisa de amigos e de filhos. deve sentir-se demasiado solitário. mas não sentimos todos? a solidão é o que nos ocupa. já não percebo as ligações com esse lado. prefiro admiti-lo como um mero fantasma. uma referência ausente. mas o tema não é este. estou a preparar-me para ir aí. e tenho medo. voltei a ter medo. sabes que sou um impulsivo irreflectido. sou assim. não gosto de premeditações e custa-me planificar a vida. sou aberto ao acaso. deixo-me levar facilmente por energias de coisas. sejam elas boas ou sejam elas más. agora tenho de ir aí. já não há nada a fazer. nem sei onde vou ficar. é como se me sentisse um intruso em todos os lugares que já não são meus. claro que é uma sensação parva. os lugares são pessoas. eu é que talvez me sinta demasiado um não lugar. como se tivesse perdido a terra e me tivesse tornado num ser demasiado aéreo. as desilusões são tramadas para a cabeça. também tenho andado a pensar em processos de morte que não sejam muito descarados. algo do estilo morte lenta. de certa forma já é aí que me encontro. esta cena lixou-me a cabeça toda. estou numa inquietação constante. mas é assim, cavei o buraco, o buraco vai-se aprofundando e não sei se tenho unhas para espetar na terra nem força nos braços para voltar a subir. poderia fazer um apelo à tua calma e à minha. o problema da calma é que o mundo não a tem. o mundo não dá tempo. o mundo segue o seu curso cada vez mais rápido, mais fugaz, mais cheio de atrocidade. já viste que nunca pudemos parar para pensar nas coisas a sério? tiveram de se assumir coisas e arranjar soluções sempre improvisadas? de repente andas por aí e tens dois filhos e desenrasca-te. do outro lado nunca veio nada. do outro lado vinham as festas e os amigos e as pessoas que não acreditavam que fosse realmente assim. mas era mesmo. era tão assim. era demasiado assim para que realmente fosse fácil acreditar. e a imagem do regresso à casa cor-de-rosa? aquele vazio? tudo o que restava desmontado? jantar sentados em caixas de cartão a rir às gargalhadas da situação em que estávamos. era possível rir disso. era possível bater no fundo e ver isso como um lado positivo. como uma etapa. tenho andado a pensar nesses momentos de uma maneira estranha. acho que na realidade nunca os absorvi. ficaram-me aqui como uma construção gigante de uma revolta qualquer. contra tudo e contra todos. conseguia rir-me mais na altura do que hoje. era a magia da inocência. pensava que éramos únicos. que não havia mais mundo além disso. hoje é diferente. sei de coisas. que coisas são essas não importa. sinto-me gasto. é importante que saibas disto. sinto-me mais gasto do que alguma vez senti. não estou a dizer que vá cometer suicídios ou outras soluções descabidas. nunca mais acordo em hospitais. essa promessa está feita. a memória da noite mais absurda desta vida. olha, é assim, transporto a cruz comigo. as razões são sempre as mesmas para estas minhas crises. amor, dinheiro, trabalho, vazio, sem rumo, loucura, impulso. os pais devem sempre orgulhar-se dos filhos. e olha, tornei-me numa coisa que não pode proporcionar orgulho. nem sei o que ando a fazer. é um ponto de saturação. um ponto de tensão constante. estou cansado. estou mesmo cansado. preciso de dormir. preciso de paz. estou quase a chegar.

terça-feira, 7 de julho de 2009

já sei que nestas alturas críticas... o diabo bate à porta... pois hoje o diabo voltou a visitar-me. e digo-vos uma coisa, o diabo fala italiano. ouvi eu com estes ouvidos que a terra há-de comer.

deixa-me dormir esta noite. deixa-me viver este dia.


segunda-feira, 6 de julho de 2009


chamava-se alguma coisa que já nem havia memória. tinha perdido o nome. tinha perdido o rumo. era membro do colapso. tinha-se apagado de vez aí pelas ruas. sorrateiramente. ninguém sabia muito bem o porquê desse estado. talvez porque fosse invisível. talvez porque lutava contra a presença de si nas coisas. sabia que gostava de ter sido uma gota de água no meio de um oceano, sabia que isso seria o seu único remédio. já lhe tinham dito muitas vezes que uma pessoa não é mais do que isso, uma mísera gota de água, que ou se funde num mar de gente ou se evapora num ar de nada e de loucura. ele sabia disso. sabia disso com o corpo. sentia-o constantemente a assaltar-lhe o pensamento. o seu nome estava esquecido tal como ele estava esquecido. não recordava a sua voz. não recordava o olhar. estava apagado. infiltrado num sistema obscuro. pós-colapso. sabia que um dia tinha tido uma casa. e tinha tido uma causa. e tinha tido gente. sabia disso porque a memória lhe pregava rasteiras. tinha fantasmas que o invadiam nas noites e nos dias. em forma de sonho ou de visão. era atormentado pelo vazio que o obrigava a agir. nunca sabia o que havia de fazer. os membros entorpeciam-se. o chão que pisava tornava-se de repente circular como que a impulsionar a queda. era uma visão constante do amanhã que não virá. sabia de cor a sua morte. contava os dias apressadamente. tinha desenvolvido um ódio especial pelo tempo. o tempo que lhe fazia crescer as unhas. que lhe agudizava a explosão interna. que lhe expunha cada vez mais o vazio de si. já não se podia chamar pessoa. era um muro. um muro de caos e de ruído. um muro antigo. de musgo. húmido. muro prestes a cair à primeira gota de chuva do inverno seguinte. se para isso sobrevivesse ao verão ou ao outono. havia na terra muitas explicações para outros como ele. como seria possível descer a um tal ponto de nada interior? por vezes surgiam-lhe rasgos de alucinação. era criança outra vez. talvez tudo tivesse realmente começado nesse ponto. no ponto em que as crianças se apercebem de que são crianças e a meninice desaparece para sempre. talvez tivesse sido demasiado cedo. os barulhos envolventes. as descargas constantes de violência contra as paredes e contra as portas e contra os armários e contra si. porque a violência tinha sido também contra si. porque talvez não exista nada pior do que uma criança privada de sonhos. não se sabe ao certo. já tinha deixado de se sentir útil. isso já não era sequer um problema pelo qual fosse necessário meditar. era uma sombra de alguma coisa que já não era nada. nem memória havia de como era. poucos registos físicos. fotografias rasgadas. papéis espalhados em quartos e gavetas de gente. uma vida que era como um castelo de areia. muito tempo a construir para chegar ao ponto em que chega a onda com a sua leveza de água e o aniquila para sempre. era assim. no fundo sabia disso. no fundo sabia que a onda já tinha vindo e vinha e vinha e vinha cada vez mais perto até que lhe passava por cima e avançava e o cobria totalmente. sensação de afogamento. água que entra forte no corpo. respirar água. beber água. comer água. explosão dos pulmões. explosão dos olhos. explosão física. desgaste. morte. corpo que se balança na água mas que é já um balanço do nada. ao sabor da corrente. talvez a única sensação de liberdade verdadeira seja essa. quando a água controla os movimentos. é uma espécie de voltar à mãe. voltar à origem. a casa. estava descontrolado na essência. que rumo procuraria que o fizesse acordar? não tinha já nada que o prendesse. ninguém o procurava. afastado sem motivo. morto em vida. deambulava por palavras silenciosas como se um novo vocabulário existisse dentro de si. um vocabulário interno. com sons de orgãos. com sons ínfimos de músculos e de correntes sanguíneas. sons microscópicos. talvez o que precisasse noutros tempos fosse de uma mão gigante. uma mão que o pusesse noutro caminho. noutro lado qualquer do mundo. os fantasmas comiam-lhe cada vez mais o dentro. sentia-se apodrecido. era uma demência que começava a instalar-se e que não tinha solução. não possuia visões de amanhã. o seu corpo começava a definhar com uma velocidade ascendente. uma explosão que se projectava. corpo com marcas de algum tipo distinto de guerra. rosto marcado. magreza. queimado por dentro como os animais que se possuem. o nojo da posse. talvez tivesse participado numa guerra sem tréguas contra si mesmo. o maior inimigo de si. uma guerra que só poderia acabar com a morte de um dos lados que eram o mesmo. como todas as guerras. nenhuma guerra tem lados. o oceano é o mesmo. seria uma guerra suicida contra os demónios. mas que demónios? não seriam apenas sucessões constantes de mal entendidos? como todos os demónios? como todos os fantasmas afinal o são. quando não se resolve a vida qual será o motivo mais real de todos? a não ser o mal entendido que cada vez vai crescendo mais e mais e mais. um mal entendido que é uma espécie de cancro que fica a carburar lentamente na cabeça até à explosão da carne. mas quem seria afinal esta amostra de homem que caminhava pelas ruas sem direcção em vista? sem rumo. sem orientação. desconectado da esperança dos dias de outrora. não se sabe. talvez a esperança de outros tempos fosse a mais absoluta de todas as irrealidades e talvez tivesse uma condenação pendente. uma condenação inevitável. que não valia a pena abrir caminhos. nem sulcar caminhos na pele. não valia a pena. seria sempre tarde para dar a volta. até podia criar ilusões. até poderia sentir amor. mas a maldita condenação que lhe contava os dias pairava sempre sobre a sua cabeça e sobre o olhar dos outros. algo estava realmente mal em toda a sua vida. havia um ponto em que tudo tinha de cair. nunca lhe tinha sido possível ser direccionado para a vontade. se assim se pode dizer. tinha tido várias tentativas de fuga para o real mas todas acabavam por ruir na primeira investida do medo. seria medo? o problema seria o medo? mas medo de quê? que medo pode ter quem não tem já nada a perder? medo de quê? seria a inexistência de paisagens vivas dentro da sua miséria o que realmente o atormentava? porque será que chegou a um ponto em que se começou a sentir uma mera fraude? um mero desenho rabiscado numa folha cheia de dores e amarguras e frustrações e desentendimentos? como poderia ter dado a volta? poderia ter pura e simplesmente saído do filme? seria capaz? seria possível? agora que era só um ponto obscuro no desenrolar do mundo. agora que contava os dias dentro de si. que esperava que a notícia da última respiração o visitasse. que olhava à sua volta e o seu olhar atravessava as coisas. o seu olhar baço. o seu corpo transparente. o que fazer? como sair desse ponto? não há volta a dar. mergulhado na insensatez da sua guerra contra o nada. mergulhado na sua luz extinta e sem nome. rosto coberto de lágrimas e fumo. sem sentido. sem sentidos. à espera da noite.

não posso escrever estas coisas

deste com a cabeça
perdeste a cabeça
algo te come a cabeça
a cabeça
a cabeça
no chão está a tua cabeça
deste com a cabeça na cabeça
corta-se a cabeça
rola a cabeça

cabeça bola
cabeça cortada
cabeça que rola pelo chão de pedra
cabeça atirada dos edifícios
cabeça mentira
cabeça esterco
cabeça merda
cabeça impossível
cabeça muro de angústia
cabeça canibal
cabeça esquecida
cabeça descontrolada
cabeça droga
cabeça violência
cabeça corpo
cabeça estilhaço
cabeça vidro
cabeça esquecida pelo amor da cabeça a mulher
cabeça explosiva
cabeça virada para dentro
cabeça silêncio
cabeça ferida
cabeça obscura
cabeça apática
cabeça sem vida
cabeça impossibilidade
cabeça inconcreta
cabeça vaga
cabeça rasgo de tempo
cabeça treta
cabeça sem olhos
cabeça falta
cabeça o caralho
cabeça a merda
cabeça foda-se
cabeça vontade de fugir
cabeça à deriva
cabeça fome
cabeça sem palavras
cabeça de silêncios
cabeça parede
cabeça mãos
cabeça mãos na cabeça
cabeça lágrimas
cabeça
cabeça
cabeça de fumo
cabeça de fumo
cabeça que arde
cabeça de cinza
cabeça bahhhhhhhhhh
o caralho de cabeça
que cortem a cabeça
que esqueçam a cabeça
que me fodam a cabeça
esta cabeça nada

banda sonora dos dias. mais uma vez. nada de novo.

diziam-se únicos no seu caminho dourado
era o tempo da ilusão
ainda o corpo se sentia criança
não havia olhar
não havia nada
depois o tempo corrosivo da carne
a distância animal
uma espécie de separação na origem
uma queda
uma quebra
uma espécie de corda que aperta o pescoço
até que a respiração seja cortada
silêncio
é a morte do que foi
ou do que é
ou do que importará isso agora
eram janelas abertas sobre os desfiladeiros da vida
era uma vida partilhada
diziam que era belo isso
diziam que havia inveja
que os tremores eram inacessíveis
que a carne era inquebrável
que o outro estava religiosamente guardado
prova de fogo
chama
calor expansivo
medo em combustão lenta
demasiado fugaz
atrocidade nas mãos
falta de esperança na boca
conjugações milimétricas de obscuridade
falta de tempo
falta de vida
sonhos por terra
enterrados
soterrados
esquecidos
diziam que tinham uma luz que era a sua luz
e que essa luz que era a sua
era uma luz que não se apagaria nunca
porque eles não se apagariam nunca
manteriam a sua luz única
como uma luz primordial
que luz?
onde está a luz da visita?
onde está a luz da voz?
a luz da vida?
a luz cabelos na boca?
a luz pele?
a luz quente dos dias?
sim
é verdade
algo houve que morreu em mim
algo houve que me apagou sentidos
algo houve que me sacou o tal futuro de sol e de chuva
a minha pele já não é minha
perdi o dentro
perdi o fora
perdi o céu e o chão
evito a queda como quem evita a água das tempestades
olho à minha volta
estou farto do vazio
morro demasiado lentamente

domingo, 5 de julho de 2009

como seria possível voltar para casa depois de conhecer a Rita? aliás, o que seria isso de casa? o que seria esse lugar nosso depois de conhecer aquele lugar seu, aquele conforto, pessoa despida de coisas de superfície, dura, carnívora... uma noite longa, suficiente para descobrir a magia da loucura. charros constantes. um brilho incrível no olhar. Rita. pessoa perfeita debaixo dos olhos da idade. noite terminada com o andar da bicicleta. seguir em frente no meio do mundo. um dia talvez nos encontremos por aí... ou talvez não, que é o mais provável. só me apetece dizer merda. na verdade, a outra não me sai da cabeça. se este texto fosse bíblico dizia para cortá-la... merda.

sábado, 4 de julho de 2009

sexta-feira, 3 de julho de 2009

quinta-feira, 2 de julho de 2009

ou talvez tenha guardado. talvez te queira os ossos. talvez te queira dentro de si. é preciso que o tempo passe. que o tempo passe sem que se note a sua presença. que as coisas se pareçam sempre com o nada ou com o tudo ou que importará isso agora. é uma coisa enigmática e circular. isso da vida. isso da vida. doem-me os músculos. ferrugem. calcinado na origem respiratória e alimentar do problema. é um vómito constante. a terra que não te guardou. terra de líquidos. terra de sal. são lágrimas, senhor, são lágrimas. lágrimas que caem pelas marcas do rosto. lágrimas de ácido. ainda não há histórias. ainda não há reflexos. correntes. alucinações. projectos abandonados. como se a cabeça se tivesse tornado num grande baú de memórias. escondido no escuro. à espera de ser descoberto. à espera que a luz o visite. a visite. à cabeça.

era uma forma insegura no caminho da vida
um dia morres
um dia morres
um dia morres

queres escrever coisas muito sensíveis meu sacana? pois podes começar por aprender a escrever. precisas de te deitar abaixo. o tempo humilha-te as costas. o tempo massacra-te o pescoço. os ombros. na cabeça não se fala. reina o silêncio. é uma nova espécie de sonolência que te invade a noite e o dia. em que é que estás a pensar? estás a pensar no seguinte: que se pudesses controlar as coisas muito teria sido de outra forma. estás a pensar em merda. as coisas estão no ponto em que estão. são o que são. andas a esquecer-te de ti. andas a esquecer-te de ti. já não és tu. já nada és tu. o que és tu? objecto coisa no desenrolar do mundo. o que tens tu na cabeça? ninguém sabe. como se isso importasse alguma coisa. esquecimento. sem elos. sem ligações. a terra que não te guardou. sanguessuga. estás exausto. aqui se termina mais um texto do nada. tornei-me nisto. um espaço em branco.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

sonho

é de dia. vem uma certa luz de fora que entra através do frio do edifício. a luz exterior não altera nada. por dentro há lâmpadas fluorescentes que anulam o fora. é tudo igual. como se o tempo natural não passasse por aquele lugar. tu estás na cama como um buda em penitência. não te podes mover. ou seja, podes mas não deves... e olha bem com quem estão a falar... estás amarelo e inchado. vomitas constantemente. talvez seja o fim. já viveste tempo a mais e com demasiada treta nas mãos e na cabeça. sentes-te uma cobaia cheia de tubos e porcarias insignificantes. estás ligado ao mundo meu cabrão, estás ligado a máquinas que te permitem viver. é alguma coisa com o teu fígado que não está bem. bebes demasiado. bebias. aí ninguém te serve nada. cheiras mal. está um calor insuportável e estás a morrer. soltas a pele. a pele seca e vai caindo em cima dos teus lençóis. isso já não te importa. tentam dar-te comprimidos que recusas a todo o custo. porque queres morrer. tudo se torna pressionante. chamas nomes a todos bem alto. deves ter alguma coisa terminal. só um milagre te pode salvar. nesse momento pensas em toda a tua vida. até queres escrever. mas não te deixam. preferem que vejas televisão na hora recomendada da estupidez oficial. gritas que precisas de escrever. lá te trazem um bloquito pequeno com uma caneta azul básica. detestas tudo aquilo. não queres que ninguém te visite. e quando conseguem desatas aos gritos dentro do quarto. tens vergona, só fizeste porcaria atrás de porcaria durante toda a tua vida. só deixas entrar companheiros de luta. nem família nem nada. tens vergonha da tua mãe. o teu amor tenta visitar-te mas tu não deixas. não podes deixar que te veja assim. não consegues. estás amarelo como as mimosas mas só cheiras a carne apodrecida. não te deixam fumar e isso enerva-te. tens de ficar numa cama e isso enerva-te ainda mais. de noite foges mas apanham-te. gritas larguem-me. tragam-me um computador filhos da puta. deixem-me vomitar. estás farto de soro. tudo aquilo te dá asco. a escolha foi tua. é desumano aguentarem a tua respiração num corpo já disforme. queres um caderno mas a tua escrita é física. preferes um computador. gostavas de fazer o relato em tempo real da tua morte. o teu diário eternamente fixo na memória. estás um caco. só queres beber como se não houvesse amanhã. todos correm atrás de ti e tu só dizes para te deixarem em paz, para te deixarem morrer em paz. sedativos e lá te deixas dormir. os teus companheiros de luta lá te arranjam um computador. ficas contente. deixam-te um cigarro contra a vontade mas lá fumas um na casa de banho. estás doente mas ainda estás vivo. há uma volta que se dá no corpo que o termina. nem sabes bem onde estás. o teu amor lá te faz uma visita mas nem sabes o que dizer-lhe. como podes dizer-lhe alguma coisa se te cai a pele? pedes desculpa. mandas uns gritos depois do teu amor sair e te obrigar a prometer que vais ficar bem. mandas uns gritos. tens uma noite de convulsões tremendas. gritas os últimos nomes ao mundo. passado um dia alguém lê um poema em voz alta. funerário. voltas à terra que não te guardou.