quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

estou aqui:

www.projectoruptura.blogspot.com

último post oficial deste blog

meus caros e minhas caras. cada tempo é um tempo. chegou a hora deste blog. a derradeira. está provado pela vida que cada coisa chega ao seu ponto de total queda. é talvez a lei da saturação. uma das coisas inevitáveis deste mundo é que cada coisa caminha para um fim. assim se renova o universo. apesar das críticas e dos objectivos e das ideias... a verdade é que somos pouco mais do que nada. somos esquecimento. nascemos, andamos em círculos por um período de tempo e depois vem a queda, a morte que chega. há quem escreva livros. há quem produza materiais efémeros da verdade. há de tudo. o mundo permite essa miscelânea de factos e de dados e de verdades e mentiras. não interessa. as pessoas mudam de casa. mudam de roupa. mudam de amor. mudam do que quer que seja. é uma forma que já me andava a aborrecer. demasiado escuro. neste tipo de lugares virtuais, com este tipo de formato, o dentro é demasiadas vezes mostrado sem que o regresso seja possível. acabou-se este. não importa. outro virá.
o rei morreu viva o rei.
este lugar chegou a um ponto que deixou de ser justo, não que o mundo seja justo. mas chega disto. quem tiver de engolir merda vai engolir merda e quem tiver de beber água vai beber água. acabou-se. blog maldito. cheio de esperanças no início. coberto de enganos. enfim...
ao mesmo tempo, também quero dar corpo a uma coisa que tenho agora. pretendo investir numa coisa mais literária e ao mesmo tempo performativa.
projecto ruptura.
este blog está morto.

a partir de agora estou aqui:

www.projectoruptura.blogspot.com


acabou-se isto. aqui fica esta música. música de fim.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

banda sonora dos dias

sempre que dou nos coil... alguma coisa me sai...

apontamento

no lado obscuro da cabeça despida. um viajante. depois de queimados os ossos. água. palavras que saltavam para além das montanhas. rasgando os céus de cinza. cenário de catástrofe. morte em pedaços. desilusão. noite. céu coberto por corpos mascarados de pesadelos infantis. insectos. nadas. começava uma história sempre da mesma forma. um dia deus desceu à terra. os pés sobre o húmus. putrefacção. humidade. cavernas silenciosas com corpos soterrados. holocaustos. fadiga imaginária. paranóia. hora zero da humanidade. talvez consumisse demasiadas imagens de caos. desenvolvida uma estética de ruptura e um nível de violência demasiado virado para dentro.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

banda sonora dos dias

domingo, 21 de fevereiro de 2010

o último espectáculo do GICC-Teatro das Beiras está bom. o GICC-Teatro das Beiras sempre apresentou espectáculos no Fundão, até houve uma altura em que uma parte do seu festival se apresentava no Casino Fundanense e no auditório da Escola Secundária do Fundão. muito provavelmente, durante muito tempo, o teatro que se via no concelho do Fundão eram maioritariamente espectáculos do GICC-Teatro das Beiras. e agora? será que foram atirados para alguma espécie de ostracismo político? o que se passa? porque será que não houve mais visitas da maior companhia de teatro da Beira Baixa às terras fundanenses? será que o nosso programador cultural pretende levar este espectáculo ao Fundão? não? porquê?

banda sonora dos dias. alguém me mandou este video para o mail. eu gostei.

era um homem era o nada - carta aberta ao senhor manuel frexes

caro senhor,
por um acaso qualquer na envolvência do espaço e do tempo, este mundo faz com que exista uma coisa chamada nascimento, nada de especial, também existe uma coisa chamada morte, tal como existe uma coisa chamada vida. por um acaso qualquer, numa conjugação de forças do acaso, nasceu o senhor, num dia que nada de abençoado teve para a linha do mundo, ou para a salvação da espécie, ou para o que quer que seja. o senhor não é sagrado. o senhor é um homem de carne e osso e pele e músculos e sangue, o senhor como homem que é, apresenta uma grande probabilidade de vir a falhar, isto é o mais normal em todos os sistemas, o ser humano é passível de falhar, aliás até nem acredito que o senhor alguma vez se assuma como perfeito, já que corria o risco de cair num ponto de ridículo de tal maneira ingrato que lhe faria corar o rosto. o senhor falha. não se assuste. o senhor falha, eu falho, os seus adversários falham, o ser humano falha, é uma das leis da vida. o problema é que eu quero falar para si, só por isso é que insisto mais no seu ponto do que no meu, ou do que no de qualquer outro.
caro senhor,
o senhor não só falha como também se coloca num ponto em que as falhas passam a ser consideradas graves, acho que neste assunto estaremos de acordo. o senhor pode controlar destinos, não, eu não lhe estou a chamar deus nem a atribuir nenhuma posição divina, o senhor não merece esse título. o senhor colocou-se num ponto em que, não só se ofereceu para controlar destinos, como também se ofereceu para resolver esses mesmos destinos. o senhor está numa posição que lhe permite, infelizmente, controlar a vida de muitas pessoas. pode dizer que foram as pessoas que o elegeram e essa será a sua eterna mentira democrática. não foram as pessoas que o elegeram, foram algumas pessoas que o elegeram, foi uma pseudo-maioria de pessoas que o elegeu, que o colocou na coisa mais abjecta que esta sociedade criou, o poder.
caro senhor,
o senhor, num ritual social em que as pessoas desenham uma cruz num papel, ritual este chamado democracia, o senhor venceu uma batalha politicamente importante. isto nada tem de extraordinário. o senhor humanamente nada venceu. o senhor não pode subir a um pedestal de glória por ter tido mais votos, a política não é uma guerra de audiências televisiva, a política é uma forma de acção directa que se tornou num jogo baixo em que a maior parte dos analfabetos dão a vitória quase sempre ao menos eficaz. o senhor foi eleito porquê? alguma vez terá pensado nisso? alguma vez terá o senhor pensado no facto de ter sido eleito apesar de ter sentenciado mortalmente toda uma cidade? pior, de ter eliminado para sempre um sonho de jovens e jovens, que desistiram de uma cidade que já não lhes pertence? de uma cidade que de o que foi um dia já só lhe resta o nome?
caro senhor,
o senhor fez uma obra grandiosa, é verdade, que caiam as pessoas e lhe beijem os pés, mas alguma vez falou das falhas constantes dessa sua obra grandiosa? alguma vez pensou nas consequências sociais que provocou desde que chegou ao controlo do município? não. e sabe porquê? porque o senhor é um fantasma. o senhor é um mero fantoche político, vulgo político profissional, o senhor foi um rosto dado a uma jogada partidária, o senhor é um cartaz, o senhor é pior do que isso, o senhor é uma fraude, o senhor colocou o seu pé em cima de gerações e gerações de sonhadores, o senhor atirou a terra para cima de uma cidade que tinha possibilidades de salvação. o senhor é um criminoso. o senhor é um criminoso desculpado pela sua farda de político, porque essa sua maldita farda permite-lhe o falhanço desculpável, permite-lhe criar fórmulas de engano, permite-lhe criar empresas municipais, permite-lhe colocar um grande número de pessoas a trabalhar para o que o seu rosto significa.
caro senhor,
falemos de qualidade. tem o fundão qualidade suficiente para que os seus habitantes cresçam como pessoas, ou se fixem, ou se sintam felizes? serão as pessoas felizes nessa cidade chamada fundão? onde é que o senhor vive? porque é que não há pessoas na rua? o senhor conseguiu acabar com o mercado, agora recuperou o lugar, mas o mercado está morto. o senhor pode dizer
que foi para fazer obras de reabilitação naquela zona, mas que obras são aquelas? que centro cívico é aquele? o senhor anda a atirar areia para os olhos de quem? que praça é aquela? uma praça em que os vendedores e os compradores quase têm de baixar a cabeça para não raspar no tecto. ah, claro, pode falar da biblioteca, de uma biblioteca que não tem condições para que sejam vistos filmes ou ouvir música sem que os outros se queixem, ou decidam o que querem ver, pode falar de uma biblioteca que mais parece uma central de tempos livres, que já abriu demasiado pequena, chamada hipocritamente de eugénio de andrade. mas em relação ao centro cívico também podemos falar do mamarracho megalómano da fonte das bolas!!! o que é aquilo? o senhor gostou da obra? não acredito que tenha gostado, afinal de contas o senhor é um homem de bom gosto, acreditam alguns...
caro senhor,
a cultura foi uma das suas bandeiras mais acesas. um desastre total e sem precedentes. deixe que lhe diga, acho que antes era melhor, perdemos festivais marcantes, perdemos diversidade e, mais uma vez o pior, perdemos possibilidades. a moagem é a maior falcatrua cultural deste país. a menina dos olhos que os senhores tanto apregoaram aos ventos todos. uma treta. não tem outro nome. treta. um auditório que não serve para mais de metade dos espectáculos que se fazem neste país, com uma fila de autocarro ou opção fila dos casais, com um palco mínimo, com um estrangulamento medíocre na arquitectura e nos despojos. aquele museu com os objectos que sobraram da moagem dá-me para chorar, principalmente depois de ter visto o grau de destruição levado a cabo na limpeza... é inútil fazer um museu arqueológico de fachada depois de ter destruído todo o recheio da moagem. eu acuso-o de destruição do património. eu acuso-o de destruição do património e de fraude social.
caro senhor,
a sua única desculpa para o estrangulamento dos lugares da cultura é, de facto, o carácter fragmentário da sua política cultural. na verdade, o seu vereador da cultura é sempre o presidente em exercício, o seu sucessor... dizem... o seu vereador da cultura presidente em exercício entregou os destinos da cultura a um senhor programador que é a nulidade absoluta da cultura neste país. qual é a linha, a política cultural que o senhor defende? ninguém sabe. não há uma corrente de público, não há uma perspectiva, há uns espectáculos dispersos, incrivelmente elitistas quase todos, há uma falta de objectivo e de responsabilidade social e educativa. senhor presidente, eu acuso-o de deseducar as pessoas, eu acuso-o de estrangulador de valores. o fundão tinha um grupo de pessoas com uma imensidão de possibilidades criativas. onde estão?
senhor presidente,
eu acuso-o de ter acabado com o casino fundanense. eu acuso-o de, com a criação da moagem, ter acabado com o sonho do cine-gardunha.
senhor presidente,
eu acuso-o de ter acabado com o parque das tílias, de ter ali feito uma rodela de cimento tão inútil como a agenda cultural que já não existe.
eu acuso-o de responsável pelo deserto de gente e de ideias a que o fundão parece estar condenado.
eu acuso-o de responsável pelo endividamento em que o fundão está enterrado.
eu acuso-o de assassino. eu acuso-o de pária. eu acuso-o de receber um ordenado que não merece.
eu acuso-o de não estar nunca numa cidade pela qual deu a cara.
eu acuso-o de traição.
eu acuso-o por o senhor ter falhado redondamente nos objectivos de uma cidade por se estar nas tintas.
eu acuso-o de ser presidente da câmara de silvares.
eu acuso-o de propagandista.
eu acuso-o de político.
eu acuso-o por ser responsável pela maior rebaldaria camarária de todos os tempos.
eu acuso-o de manipulador de resultados.
eu acuso-o por o senhor saber que as pessoas só votaram em si porque tinham medo que os que viessem não soubessem tratar do buraco profundo em que o senhor deixou cair as coisas.
eu acuso-o de cobardia.
caro senhor,
posso chamar-lhe todos os nomes feios que sei e posso inventar alguns novos para si e nunca vai ser suficiente, o senhor vai desculpar-se com conjunturas, o senhor vai desculpar erros graves que foram feitos com outros não tão graves, o senhor vai acabar por ir-se embora, o senhor vai acabar por ir-se embora de um sítio em que nunca esteve.
caro senhor,
aposto que o senhor dorme tranquilamente. aposto que o senhor não tem preocupações. aposto que o senhor ganha mais em ajudas de custo do que a maior parte das famílias portuguesas tem para sustentar os filhos.
caro senhor,
quero acreditar muito que o senhor não existe.
da próxima vez que estiver na varanda do seu gabinete e olhar para o jardim pense numa coisa: a cidade que o senhor vê já foi uma cidade mais viva. que essa imagem lhe persiga os sonhos e não o deixe dormir durante muito tempo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

experiência leitura


e pronto, aqui vai mais uma experiência de leitura de um texto incrivelmente maravilhoso, cala-te boca, que aqui foi postado antes dos meus 30's. é muito possível que esteja um pouco pimba, mas ainda ando a experimentar aos poucos estas porcarias... de qualquer maneira, já é uma vitória conseguir ler as minhas tretas. bem, chega de falsa tanga. o que está é o que é.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

andava no meio de capas de chuva
terrenos baldios do interior da cabeça
linhas ténues fragmentos disparos
corpo ruptura muscular e líquido
transformado em anjo negro
anti-matéria sanguessuga
o ar lá fora que circulava na imensidão alheia
que merda de palavras que saem
a tua boca está vermelha
soube a sangue
disseste que morrerias na chuva
o ar de abandono com que se seguiu a estrada
3h30m noite
talvez menos ou talvez mais
a festa insiste nas suas batidas
dizem-se coisas
o ano termina na sua normalidade
caprinamente natural

banda sonora dos dias

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

era uma vez. estava deitado no chão numa casa desconhecida. um silêncio inseguro. as mulheres sentadas choravam a morte de um velho. eu fumava muito com os nervos. deixava escorrer uma lágrima de vez em quando para não contrariar o que vivia. continuava deitado no chão. com a minha lágrima viajante que se dirigia para o solo com a força da gravidade. e fumava. o velho estava morto. eu já o tinha visto. à chegada. uma mulher agarrou-me na mão e disse-me: ele está ali. não me perguntou se eu o queria ver morto. não. agarrou-me na mão e levou-me ao espectáculo decadente do lugar. uma coisa natural na envolvência das famílias. as mulheres sentadas de volta do morto deitado na cama impecavelmente vestido. vi-o. era um rosto de cera branca com ramificações azuis que se dirigiam até aos cabelos. dir-se-ia que estava bem. para morto. a minha primeira impressão foi de que estava mais limpo e mais bem vestido do que eu. saí do quarto e deixei as mulheres nos seus gemidos de tragédia falsa e fui até outra divisão da casa. a minha infância foi ali. deitei-me no chão. fumava cigarros atrás de cigarros. tinha dormido pouco. descansei. só eu e o velho morto estávamos no mesmo ponto de vista em direcção às visitas. as mulheres choravam e eu fumava. uma mulher velha com os olhos cinzentos veio oferecer-me fruta. era uma maçã. não comi. estava enjoado. tinha feito uma viagem demasiado grande. ela disse: pois, não consegue comer não é? mas tem de comer, comer faz bem. eu disse: eu sei, eu sei, mas agora não consigo. ela deixou-me. ouvi-a entrar no quarto e desatar em convulsões lacrimais tão falsas como uma puta cabotina. desculpei-a. pensei com o meu cigarro: aqui é assim. continuei deitado com a cinza a cair em cima do meu casaco. devo ter dormido. acordei com um silêncio catastrofista. último homem no mundo. corri a lavar a cara. bebi água fresca da torneira. sabia a morto. lembrei-me: o morto. fui ao seu quarto. estava tudo muito mais tranquilo agora. acendi a luz. puxei de um cigarro e perguntei: queres? depois pensei: claro que não, estás morto. sentei-me e fumei um cigarro no meu mais profundo silêncio. a sua pele branca começou a transformar-se. ganhava reflexos alucinantes com o bater das luzes. quase que o escutava respirar. quase que o escutava falar. ou viver. ou como se nada daquilo se tivesse na realidade passado. como se eu tivesse podido dizer-lhe tudo o que lhe devia ter dito e que ficou entalado no fundo da minha cabeça. no fundo dos meus pulmões. e de repente tinha toda a minha vida para resolver. a vida passada e a vida futura. a infância distante começou a desfilar como uma armadilha diante dos meus olhos. e eu chorava diante do morto. e dizia: velho, velho, como podes ter morrido assim sem dizeres nada? como podes ter ido sem te despedires? como podes ter ido assim sem me teres deixado despedir? e vinha-me à cabeça o momento em que estivemos sentados à lareira num silêncio incomodativo. ou o momento em que o velho era outro e me cantava à janela e que me ensinava palavras. ou o momento das ameaças ou o momento da partilha de conhecimentos e da passagem do velho para o novo. e chorava e fumava. e pensava: foda-se, como podes ter sido tão distante do que não podes fugir, porque tu não podes fugir nunca do que és. e dizia ao morto: morreste. e perguntava: porquê? porquê? porquê? e as respostas não vinham. e ele não se movia. continuava com os reflexos da luz na sua pele de cera branca tocada por um azul escuro demasiado pacífico para que fosse possível voltar à vida. merda. se ao menos tivesse tido tempo. ou oportunidade. ou vontade. ou consciência. saí de casa e deixei o velho morto em paz. bem o merecia. é incrível como os fantasmas se apegam ao interior que pensa que controla tudo. de vez em quando surgem surpresas e os fantasmas acordam. trazem uma espada de fogo que ameaça as ilusões. andei pela rua. nasceu o dia. café. tabaco. umas palavras do homem do balcão que me conhecia. conhecer. que me tinha visto ali muitas vezes noutros tempos. umas palavras e aquele ritmo de quem não se sente à vontade para dizer as coisas da emoção. não fazia mal. eu também não estava para conversas. bebi outro café. voltei à casa. as mulheres começavam a chegar na sua preparação matinal para um dia que prometia emoções fortes. quem ficasse até ao fim, quem resistisse mesmo, talvez conseguisse ainda chorar. ora que bela vitória. talvez no dia que há-de vir lhes retribuam as lágrimas e a presença. muitas pessoas se juntavam agora na porta da casa. uns homens de fato escuro subiram e desceram com a caixa onde estava o velho morto. o lugar dos mortos era perto. levaram a caixa às costas. as pessoas seguiam a caixa do velho. muitas choravam. outras falavam. outras olhavam para as outras. eu ia atrás e fumava. falava com o velho na minha cabeça. ai velho, se aqui estivesses agora, o que ia ser desta gente? que motivos teriam para se encontrarem. e chorarem. e falarem. e verem os outros a chorar e a falar e a ver. velho sacana. aqui estou eu a chamar-te sacana e tu nem me respondes. deixei as pessoas entrar para o cemitério. fumei. o tabaco enganava o cheiro do lugar. um padre disse não sei o quê. entraram para uma capela. eu fiquei a fumar na rua. olhava para o lugar dos mortos com um certo fascínio. tanta coisa que ficou por viver. tanta palavra que ficou por ser dita. tantos que ainda tinham tanto para dar. tantos que já não davam nada. nada disso interessava. chegava a uma altura em que a linha parava. era assim. sentia-me estranhamente silencioso e em modo introspectivo. fumei mais uns cigarros e as pessoas começaram a sair da capela. começou a surgir a caixa de madeira que tinha o velho. aproximaram-se de um buraco no chão passando por outros. uns abertos e outros fechados. puseram a caixa dentro do buraco. pessoas choravam. gritavam a desolação da vida. o final. o animal chega a um ponto que pára. que o corpo abandona as lutas. que uma coisa maior vence a força do sangue e da respiração. fim. término. última paragem. fim da linha. fim da vida. não interessa. ó velho. estás condenado a acompanhar a minha cabeça até que te diga tudo o que não disse. as pessoas e os seus gritos. lágrimas. preto. rostos pálidos. afastei-me e vomitei aquela morte toda contra uma parede da capela. vomitei a noite passada e os dois cafés da manhã. os homens pegaram em pás e cobriram a caixa. uns abandonaram o lugar. outros ficaram até ao fim. à saída despediam-se aliviados. também eu saí dali. sem dizer uma palavra. velho. velho. ainda não sei onde estou hoje. temos falado muitas vezes.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

o último texto dos 20's

três décadas e depois o silêncio. nada mais a dizer. derramado o tempo por uma linha fragmentária. consciência. inconsciência. corpo. vazio. vontade. necessidade. palavra. uma pedra morta. a infância de gritos. livros de banda desenhada. livros de textos. mudanças de casa. o corpo que se mantém na sua ruína verdadeira. décadas. cidades. o amor. aquele que se estica ao longo da vida. olhar para trás. está frio agora. está um frio insuportável e lá fora desfilam as máscaras. caem-me bocados de chão em cima da cabeça. vinho tinto. beijos. bandas. drogas. danças. o maldito teatro do mundo na sua atitude contemplativa. era uma vez... já escrevi isto antes. reflexo. diante destes olhos caminham pessoas sons imagens coisas. a minha gata. a minha gata está doente. havia muitas casas na cidade. eram casas de alegria. um dia. demolição. pensamento. fase de reflexo. mãe. mãe. e o tempo caminha para o seu fim inevitável. algum dia o teu sonho bateu nas portas da morte? sim. todos. não é a morte infantil que te escava os caminhos da desolação. são três décadas entorpecidas. onde? onde estás? esta divisão é pequena para o teu horizonte sagrado. é um texto do sangue. um texto de despojos. guerra. guerra. guerra nenhuma diante de mim. passado presente futuro. alienação. a consciência forte do dentro já te poderia ter trazido a morte tantas vezes. e depois há os acidentes. há a história. há uma passagem luminosa de corpos sem cérebro. uma passagem de sons. de fúrias. imagens surreais enfiadas na garganta e que esperam o momento certo. vómitos. escritas. teatros. textos carne e textos cabeça. camas. ilusões. escolas. homens e mulheres. arte. dizem alguns. amigos. crimes. vergonhas. fugas. regressos. seres primordiais. estás no ponto da viagem. queres ponto de viragem. o cérebro queima os lençóis de sangue. já não és virgem. já deves ter despido a pele em quartos de areia cheios de sol ou de frio. e a gata está doente. aquela que é a tua filha de uma década está doente neste momento do tempo. os teus olhos querem procurá-la no meio do deserto mas só aparecem homens. gente. gente e gente e gente. vais beber o quê? vais onde? quem é o teu verdadeiro pai? o cabelo cai e as costas caminham na sua direcção futura. o corpo enrola-se para a terra que o comerá. os pais dos teus pais morreram. as mães dos teus pais estão vivas. tens um irmão. uma mãe. um pai de cinza. não suportas o cheiro da acetona nem podes aproximar garrafas de vidro do pulso. o telefone toca poucas vezes. foste um habitante de um país estrangeiro. vizinho e distante. que máscara tem agora o regresso? a máscara de um corpo sem posse. três décadas. o fisco. a segurança social é uma insegurança fantasma. gostavas de juntar todos os teu amigos e dizer-lhes obrigado. é carnaval. nos últimos anos o carnaval é uma festa mas agora não quer ser. silêncio. cascas de laranja nas pernas. grito. uma cidade no cimo do rectângulo foi o início de uma queda. chegar de manhã e ouvir a língua dos outros. aprender a ler. aprender a escrever. ter paz. ter uma maldita paz neste cérebro inquieto e megalómano. inventar palavras para estas frases. escrever um livro. um livro coberto por maldições. desinteressante. umas peças. aplausos obscuros à idade do nada. ritmos verbais. conjugações sistemáticas. quedas. solidões. solidões. solidões. corpo frustrado. poesia. ritmos. orações. viagens alucinantes na estrutura mental com amigos e com treta. talvez não saiba o que fica. talvez não saiba mais o que importam as coisas. bandas que tocaram em delírio. filmes. actores. textos. amor. amor. amor. amor. distâncias. fins. inícios. cabeça. eco. ego. parede luminosa nos programas retrospectivos da vida. falhanços múltiplos. vitórias. palco preto. frases. amor. partilhas. dois funerais presentes. o corpo da família branco e deitado. a família fraude que se chora para que se escute. silêncio. viagem de comboio. nascimento. família que traz a notícia que já se espera. saltos na cama. botas novas. irmão. irmão meu. maldita distância de espaço e de idade. este portugal moribundo. uma cidade. uma aldeia. alcongosta. fundão. porto. fundão. covilhã. lisboa. fundão. barcelona. porto. lisboa. porto. merda. teatro. restaurante. obras. teatro teatro. teatro. teatro. escrita. escrita. porque não vais para jardineiro meu filho da puta? porque não posso. porque não posso fugir a esta falcatrua que me deu vida. porque tenho de passar esta miséria de corpo de ossos enquanto combato moínhos quixotescos. enquanto dou porrada em aldrabices tão legítimas como a minha caralho. o colégio das freiras. os doces na sesta. a carrinha. a escola com o braço partido. depois a cabeça partida. depois o pé partido. depois os dentes partidos. entretanto duas vezes o queixo. mais umas feridas de guerras imaginárias chamadas infantilmente de medalhas. medalhas mesmo nunca tive. acho que nunca ganhei nada. uma vez um cabaz qualquer de natal ou de páscoa. um projecto falhado com uma encenadora morta. uns actores despedidos. uns gritos. castro. maldoror. subterrâneo. agora a mania dos textos próprios. mas que provavelmente não te levam a nada. uma cidade que te virou as costas. algumas pessoas. normal. os cigarros acumulados. bernardo santareno nas manhãs brancas da vida. shakespeare nos infernos. umas viagens na carrinha do toldo a desenhar o rectângulo. cervejas. cocaína. mdma. ácidos. pastilhas. charros diversos. speed. ópio e heroína não experimentei que não me apeteceu e não gosto do que conheço. md é fixe mas queima. coca é boa mas agarra. as bebidas são a lástima do corpo. umas cargas de porrada bem levadas e outras nem tanto. o costume. a porrada nem sempre depende de quem apanha. uns blogs. isto merece ser dito. uma cidade que foi um sonho que se acabou. fundão. psd fracasso absoluto. a ideia da cultura a tornar-se num balde de merda muito boa para poucos comerem. simpatia com todos. disponibilidade para tudo. muitos sonhos na algibeira. umas casas por resolver. uma cicatriz para tapar. ainda uns anos para viver.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

quase nas 3 décadas. parece que foi ontem.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010


aqui segue inédita uma leitura de um texto do maravilhoso, cala-te boca, epiderme. talvez isto caia numa coisa abusiva de efeitos e ruídos de fundo... mas como não tenho um gravador de voz e tenho de gravar directo para o computador... fica sempre uma coisa um pouco manhosa, nem fica em stereo!!! enfim... mas aqui vão ficando estes apontamentos de alguma coisa. abraços aos que contam. desculpem por andar um pouco desligado. mas o tempo tem sido escasso.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

banda sonora dos dias

domingo, 7 de fevereiro de 2010

sábado, 6 de fevereiro de 2010

e pronto... é isto...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

havia uma noção estranha da realidade que se impunha na cabeça. dormia-se. sonhava-se. assim se contava a história da voz. por vezes lutava-se perto dos ouvidos. outras vezes esquecia-se. visitavam-se quartos paraísos da terra da alucinação e do desgaste do corpo. era o fim. mergulho efémero. a luz ocupava todo o silêncio. dava-lhe uma nova coloração sanguinária. depois o caminho da noite... esse... vinha sorrateiro beijar-te os pés.

sábado lá estaremos!!!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

comecemos no ponto fulcral. o acidente. o acidente mais marcante de todos os acidentes. não o fim. o mais marcante é sempre o início. quando começa a vida. quando se abrem os olhos e se vê um falso paraíso construído sobre uma mentira verbal. ganha-se um nome. uma denominação. todas as quedas precisam de ter uma referência. o tempo das quedas para o vazio já morreu com um mergulho na informação. o sistema a isso obriga. é a capitalização do sonho, digamos assim. houve um início sangrento do corpo em junção com os ferros. uma mistura baça de líquidos infectos e membros e cabeças que saiu a custo. talvez já um medo do que seria mais tarde a realidade viva. diz-se por aí que há magia nisto. é a magia da primeira luz. esquece-se que a primeira luz é quase uma provocação da cegueira. que há lágrimas e gritos à mistura. que tudo não passa de uma massa muscular disforme e suja e sem rosto. maldita necessidade de encontrar magia no esterco. passemos então a outra sala, também ela é execessivamente asséptica, nada pode conspurcar o facilmente conspurcável. aqui limpa-se o corpo. é uma sala desconfortável com uma luz demasiado fria. o branco da luz torna o vermelho do sangue demasiado irreal para que seja verdade, parece um efeito especial, um crime sintético, uma desolação plástica. aqui ganha-se o medo. o medo da falta. o medo da fome. a carne com o seu nome e o seu medo começa aqui a caminhada para a derrota essencial. e ainda não pode fugir-lhe. ainda lhe faltam outras salas com outras condições. há-de ainda vir o dia. tudo isto é de noite. claro. o imaginário leva a estas armadilhas textuais. é um edifício monstruoso que fica no alto de uma colina e no mais completo isolamento. é um edifício híbrido. hospital e fábrica. um mecanismo sistemático de despessoalização. objectivo: aniquilar a vontade derradeira. o desejo de morte. aqui todos os bichos são limpos no sentido de se obrigarem a si mesmos ao terror básico da vida. condicionam-se para não terem desejo nem sonhos nem vontade. a vontade é um passo para a instabilidade. voltemos à sala. da sala do medo passa-se sorrateiramente por uma porta demasiado pequena para um quarto ainda mais pequeno. nesse quarto há uma cama também ela demasiado pequena. a cama é o único objecto que se encontra aí. central. deita-se o objecto purificado nessa cama e ele aí fica. os homens e as mulheres de bata saem da divisão e observam pela parede. é daquelas paredes que só deixam ver de fora para dentro. a luz interior é mínima. há uns braços mecânicos que vão alimentando movendo limpando aquilo que será um dia alguma coisa, um ser vivo, é a sala da solidão e da necessidade de deus. entretanto o ser que pariu esse ser já foi desfragmentado e transformado em ração para outros animais. diz-se que é altamente nutritivo e que foi uma descoberta revolucionária em todos os pontos do globo. houve fogo de artifício e condecorações. a algazarra do costume na imprensa. chaves de portas imaginárias de cidades. dinheiro. elevados graus de mérito. pontos subidos na escada vertiginosa da dita civilização. um passo gigante em direcção ao futuro. o controlo e a utilidade prática do controlo. apenas a espécie ganha com o sacrifício dos seus. merda, disseram os dissidentes, foram os primeiros a servir a experiência. eram seres doentes. tinham uma patologia no espírito. a necessidade de dizer não. ora tal coisa não podia ser facilmente aceite no sistema mais bem pensado de todos os sistemas. era a segurança de toda a sociedade que estava em perigo. estarão muito melhor dentro de alguns estômagos, provavelmente dos que sonhavam com os mesmos passos da negação, tudo é útil. o lema dos lemas. havia um rosto que estava por cima de todos os rostos mas ninguém o tinha visto. falava-se nele. havia um procedimento que aparecia escrito e seguia-se naturalmente. ninguém pensava se era ou não era isto ou aquilo. seguia-se com uma prontidão hiper eficiente. o maldito medo de falhar. deitado na cama que era o centro do mundo estava aquilo que seria o protótipo do ser perfeito. o futuro provável do nada. o que seria um ser perfeito? um maldito monstro de negações aflictivas se visto com o olhar do passado. aqui davam-se os passos para o futuro grandioso, um futuro cheio de luz e dinheiro e bens essenciais. ora merda. merda para esta conversa. também nos tempos que correm há uns seres que vivem fechados numa jaula de pedra distantes do mundo, esses seres também pensam que podem ditar verdades absolutas para os ineficazes da vida, para esta massa linear de vencidos, que dorme nas imagens do crime que se repete diante dos seus olhos com a mais profunda ignorância da recusa, com a mais absurda inconsciência da vontade. porque já não se quer o impossível. quer-se o melhor dentro de determinadas conjecturas políticas e económicas e sociais mas que no fim de tudo não passam de tretas criminosas e come-se a morte com um sorriso inocente nos lábios, de preferência um sorriso suave de iluminado. como se fosse possível alguém encontrar a paz num mundo em guerra. como se fosse possível dormir tranquilo com os pesadelos da realidade a morderem o cérebro. ora merda mais uma vez. e merda mais uma. e ainda merda outra. há uns senhores com os seus fatos engomados e as suas pastas que agarram no pequeno ser que está deitado na cama solitária e discorrem sobre o seu futuro como se o seu sangue pertencesse a um banco a uma guerra a uma farmácia como se o seu corpo fosse uma potência nuclear fosse um sistema operativo passível de ser trabalhado, programado, eliminado, de acordo com o chamado desejo do bem comum. comum de quantos? a tempestade já não tem um rosto. a tempestade é um procedimento que a massa segue. e a tempestade diz: caminhamos em direcção ao fim, mantenham o sorriso de desespero. e a massa responde: sim, caminhamos em direcção ao fim, sim, mantemos o sorriso de desespero. porque o acidente essencial do homem é o seu início. a lei do mais forte desenvolveu-se no sentido que o mais forte ditou. mas os mais fracos sempre tiveram os números, sempre foram mais. se houvesse uma grande revolução com as armas que são os braços de certeza que os mais fortes cometeriam o seu suicídio, teriam a vergonha do seu falhanço total, mas nada disto importa, hoje veremos outra vez a morte em directo com o nosso sorriso de desespero nos lábios e estaremos contentes por ser na distância de um vidro que é metade do mundo. o bicho estava na sala da solidão. tinha um nome e tinha a programação do medo e da falta. sempre que reagia, os cientistas olhavam com atenção para ele como que a tirarem brilhantes conclusões, mexeu-se abriu a boca esticou um dedo coçou-se etc etc... eram os cientistas inteligentes do regime, perdão, do sistema. quando o bicho estava pronto para ser educado com uma linguagem séria e respeitável, uma senhora gorda ia buscá-lo à sua cama e levava-o para uma outra sala, a sala da educação. esta era a sala mais importante de todas as salas. aqui o bicho ficava com a sua realidade apreendida. uma forma camuflada de incutir ruína com a máscara da felicidade. ó meu cão, chamava-lhe o professor no início quando ele falhava, ó meu cão, és um burro parasita, não mereces nem a ponta de um chavo que aqui gastamos contigo, enfermeira-chefe, leve-me este anormal para a sala de transformação, este só serve mesmo para ser comido pelos que virão. e o bicho gritava: não, não, dê-me outra oportunidade. e o professor lá lha dava. a educação sempre foi amante do medo. o bicho lá ia fazendo progressos notórios e a sua capacidade de resposta aumentava a olhos vistos. era sem dúvida um belo exemplar. tinha um corpo forte. boas capacidades cognitivas. bons reflexos. estava a criar-se um cristo da idade nova. todos o guardavam com o maior carinho e ele ali estava tranquilo na sua cela solitária e inconsciente, sem saber dos muros e das guerras da história do tempo. um dia o bicho teve uma erecção em frente da senhora gorda que no maior de todos os escândalos chamou os senhores cientistas. remédio claro: descargas eléctricas nos tomates isto não é o tempo do desejo ó cão. e assim seguia o bicho a sua vida dentro da sua normalidade. era uma normalidade imposta por alguma coisa maior, mas também isso era um detalhe, era o que lhe metiam na cabeça. a vida do bicho era toda ela de uma virtualidade atroz. a senhora gorda começou a sentir uma certa empatia pelo bicho. estava sempre a mimá-lo. até houve uma vez que o apanhou a tocar-se e nem fez queixa nem nada, antes pelo contrário, ficou a ver o bicho com a sua erecção, depois pensou: ora que se lixe. chegou ao pé dele e disse: vou ensinar-te como se faz. e desatou a masturbá-lo com as mãos e com a boca até que ele se veio. o bicho gemeu com um prazer que não conhecia. a senhora disse-lhe: isto fica em segredo. o bicho nem estava em si mas concordou prontamente com a senhora. e depois a sala da educação... ora ele estava distante, o professor espantava-se com o atraso mostrado em todas as matérias e o bicho estava sempre com vontade de se retirar, nada lhe interessava mais na conversa do professor. o bicho chegava ao quarto, a senhora gorda entrava, sacava-lhe o sexo e lambia-o cheia de vontade. um dia ele atirou-a para longe, levantou-lhe a saia e, sem saber muito bem o que fazer, deu-lhe uma trancada por trás. a senhora gritou de prazer. estava feito o crime. arranjou-se e saiu. o bicho ali ficou no seu silêncio. era preciso acabar com aquilo. se fossem apanhados, iam directos para a comida. a senhora não o procurou nunca mais. ele compreendeu. voltou a dedicar-se à educação. o tempo passava e já era altura de outros passos para o bicho. todos ali sabiam que não o podiam manter preso por muito mais tempo. uma das fases do processo seria então a ilusão da liberdade, meter o bicho numa zona que ele considerasse livre dentro da sua cabeça, dar ao bicho a ilusão da escolha, isto era apenas uma sala que o edifício tinha, nessa sala recriava-se uma espécie de mundo antigo, cheio de gente clara e sem problemas, todos processados, meros programas binários de carne virtual. o bicho concordou com a opção sugerida e prometeu comportar-se à altura da confiança que lhe era depositada. é o truque mais baixo do poder. não há nada mais pornográfico do que a ilusão da liberdade. a ilusão da liberdade vive no patamar do sonho. ao controlar o limite do sonho, controla-se o limite do desejo, logo, a liberdade passa a ser uma repressão do pouco mais do que nada. são os truques silenciosos. homens da gravata que desfilam em linha recta com as suas pastas de couro e os seus chapéus. organização política da guerra. um ou mais seres de rosto conhecido estão sentados numa plateia gigante. diante de si desfilam as atrocidades. as atrocidades. como num sistema dito democrático assistimos a um desfile do exército. não se compreende a raíz filosófica do crime. como será possível que se assista a um desfile de máquinas de guerra? com a desculpa esfarrapada de que um exército é um garante da soberania. ora puta que pariu a soberania. puta que pariu as fronteiras e a posse. puta que pariu o poder e os seus homens. disfarçados com as máscaras assassinas da burocracia. tecnocratas corruptos do silêncio. mortos vivos. animais selvagens que apelam à carnificina. discursos fraudulentos que nada dizem sobre o vazio essencial das vidas. imagens. meras imagens. construções profissionais da verdade. palavras e corpos. religião. poder. merda engolida em silêncio. ligações nocturnas e obscuras. corrupção livre. superfícies planas. o rosto baço nos ecrãs de vidro. uma torrente incompreensível de palavras sem esperança. e assim seja. assim seja. assim será escrito a sangue em todos os parlamentos. onde se discute uma fome que não lhes pertence. onde se clama por um futuro que já não está nas suas mãos. e de repente, no meio da sua ilusão, o bicho grita. o bicho grita. o bicho grita e grita e grita e grita mais e mais e mais e mais. até que chegam os homens de bata branca e lhe enchem o corpo com sedativos. tem de voltar para a solitária. ainda não está pronto. e aguarda em silêncio que passe o tempo e lhe tragam novidades sobre a sua vida. o bicho começa a sentir-se com a necessidade de ser homem. a queda vem daqui. ninguém lhe pode dar isso. ninguém lhe quer dar isso. ser homem é perigoso.

domingo, 31 de janeiro de 2010

banda sonora dos dias

os kuni eram uma tribo de índios que vivia no coração de um homem.

ai barcelona... barcelona...

sábado, 30 de janeiro de 2010

texto som experiência 2

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

experiência voz texto primeira

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

olá, está bom? espero que esteja quieto e sossegado na sua cama confortável. que esteja quente. que a sua esposa lhe tenha trazido leite e umas bolachinhas. espero que se encontre com os testículos vazios. que a sua vida seja perfeita. tem sido? os filhos estão bons? leu o jornal hoje? o que jantou? foi um dia proveitoso? terá tomado um café de manhã acompanhado com um pão com manteiga... ai não? ai, sumo de laranja? diz que é óptimo de manhã, melhor do que de noite, pelo menos... está a rir-se? também eu. é uma pena que tenha de matá-lo. hahaha que curioso, é assim a vida... lembra-se daquele anúncio em que um satélite caía em cima de um carro? o mesmo aconteceu consigo. encontrei-o hoje e achei que era perfeito para o que eu quero fazer. no meio de milhares de caras anónimas o senhor calhou-me na sorte. eu estou contente. o senhor também deveria estar. ei ei, não desligue já o telefone, por favor, falemos como pessoas adultas. bem, voltando ao assunto, estava eu a perguntar-lhe se estava bem e tal e coiso e de repente até lhe disse que pretendia acabar com a sua vida... lembra-se? claro que sim, uma coisa destas não se esquece assim do pé para a mão, não sei se me estou a fazer compreender. hahaha. bem, deixemos isso por agora, o que é importante é que o senhor esteja bem, mais ainda, melhor do que bem, que esteja perfeito!!! só assim a sua morte poderá ter algum impacto. está-me a seguir? olhe, vou-lhe ser sincero, isto não é por nada de mal, na verdade, isto não é por nada, é porque tenho um problema que acho que posso resolver assim. ei ei, não diga isso, então? já não temos idade para falar nesses termos, além do mais é pecado entrar nessas andanças. bem, estou a dizer-lhe, estou a dizer-lhe, cale-se, cale-se porra, ei ei, estou a dizer-lhe que o vou matar, isso não é nada de especial. todos nós morremos um dia, não é verdade? então qual é o problema? vou provavelmente safá-lo de uma vida de sofrimento sem razão e a sua única paga qual é? qual é coisa qual é ela? pois claro, meu caro... e agora, se me dá licença, amanhã volto a ligar, é que precisamos de afinar os detalhes. certo. abraço.
encontrava uma imagem de uma estrada, era noite, não, era final de dia. ainda havia um pouco de luz. uma tonalidade laranja avermelhada e escura que se apropriava do papel. os olhos fixavam-se na imagem da estrada. era um momento silencioso. o que quereria dizer tudo aquilo? naquele momento. ao andar pela rua. o corpo que se dobra e que apanha um simples papel rasgado de algum lugar. uma estrada. o silêncio. a luz. de repente, às custas de uma concentração absoluta, ela entra no universo da imagem. está na estrada. descalça caminha no alcatrão frio. é noite ali. acho que já vimos esta imagem em vários filmes. o silêncio. nada se passa naquele universo e mesmo a estrada parece não ter início nem fim. é uma linha recta. há um ponto nessa linha. é ela. descalça. olha em todas as direcções possíveis e começa a sentir medo. é um medo sujo. transpira. a respiração acelera até se tornar impossível de manter. cai ao chão. arrasta os joelhos despidos sob o alcatrão frio. os joelhos vão-se rasgando. é já o osso que se arrasta no alcatrão frio. depois as mãos. as mãos vermelhas. depois os braços. os cotovelos soltam a sua armadura de pele. tudo sangra. depois os ombros. depois já não rasteja. é o corpo que se contorce sob o alcatrão. depois já é apenas uma massa informe de vermelho líquido. uma palpitação. um saco de despojos de uma guerra sangrenta. foi um acidente. de certeza que foi um acidente. quando se altera a cabeça em volta de uma falcatrua da natureza. quando o sangue espreita pelos braços. quando se morre trinta mil vezes por dentro do cérebro. quando línguas répteis tomam conta do olhar. quando o olhar se torna explosivo porque não tem um buraco no chão. foi um acidente. um mero acidente da natureza que atira o corpo vulnerável para dentro de uma imagem. um acidente que transforma a imagem numa morte lenta. numa carnificina alheia. crime. subversão. apatia. crueldade. maldade inata. ela descalça no alcatrão frio. o silêncio envolvente que faz estalar os tímpanos. o fumo. a loucura. as lágrimas que lavam a massa vermelha não natural do seu rosto comido. era uma imagem de uma estrada. corpo dobrado que apanha um papel. o chamamento. velocidade. buraco negro que atira a carne para o vazio. noite. noite. foi um acidente. um mero acidente. sangue que escorre pelo chão como um rasto de presa que foge de um predador maior. um predador maior que é o desconhecido. que tem o rosto branco do nada. que tem a luz pornográfica de toda a merda engolida ao longo do tempo. e haja sangue e haja dor e haja circo. as mãos do mundo atiraram-na para dentro de uma estrada que era apenas uma imagem de abandono. o acidente da noite tornou o seu braço numa cicatriz de ruína. silêncio. silêncio agora. muito silêncio. a loucura há-de vir beijar-lhe a carne crua. ela morta no alcatrão frio da noite. para que lado vai a estrada? para que lado? para lado nenhum. tudo deixará de respirar algum dia.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

experiências em inglês. nada de jeito.

oh look at me great magical breasts of god
i am inside a cube of silence and poison
my veins are expanding to the sky
where are the rocks and the irons of my mind
sleepless through the times
dreaming in crystals
turning to tears
oh look at me great magical european world of words
civilizations of war and power
where is your truth
underground mass destruction
stimulating economy and illness
home of the brave
home of the weakness
driving cars along the stormy highways
blind blind
transforming eyes into oblivion
eating wars and deaths
and games
and little nothings
and lies
yes i am alive in all these meticulous paradise of sorrow
in this paradise of white papers
in this terror brain of shit
oh look at me
look at me
please see me in your ruin
i am vomiting to my rights
era o tempo do grande kuni. os guerreiros subiam as montanhas e só voltavam passados muitos dias. traziam animais mortos que nos serviriam de alimento por algum tempo. havia um estranho respeito na morte. um quase medo sagrado na morte. os guerreiros traziam as suas cabeças vestidas com as cabeças dos animais. cantavam cânticos de terror. faziam longos desvios no caminho para casa. nunca em linha recta. sempre em círculos. era para que a morte os não seguisse. a morte. papu lana. papu lana. mire no sacura. os guerreiros vestiam-se com os espíritos da grande mãe. o tempo mudava com os seus cânticos de terror e de magia. o manto da noite cobria as nossas casas. as crianças choravam. muitas sucumbiam. eram tempos de magia. o grande kuni fazia danças. o grande kuni sangrava as crianças vivas e derramava o sangue quente sobre as crianças mortas. os guerreiros chegavam com os animais sem pele. os animais vermelhos. o grande kuni dançava em volta deles. gritava: la pah la pah o mai nur tancuta. os guerreiros choravam. as mulheres e as crianças choravam. ali se uniam os animais e as crianças que já não tinham vida terrena. era a morte que dormia lado a lado. depois todos dançavam. depois as crianças eram enterradas e os animais eram cozinhados. e depois as mulheres e as crianças comiam. e depois os guerreiros tomavam uma bebida que o grande kuni preparava. era a bebida secreta. puna. depois todos rezavam. e depois todos cantavam. por vezes a aldeia voava muito acima da terra. por vezes a aldeia sobrevoava as árvores.
rumi no tanak iram lani. u ter apret ur gassalo. krqueda nubestra. faguela zamo ir mut dafigue. mer mer jotela bunaco. juatica por trepo. no ita vucinha. la lure sertaca. demir demir la falela. lo incretu pur mina o sarata. godeto na cratelha. chegavam homens com sacos gigantes em que cabiam outros homens. tudo era fogo em todos os lados. gritos de medo surgiam de todas as direcções. havia fome. havia guerra. tinham os homens olhos esbugalhados. eram salteadores de vidas. agarravam primeiro nas crianças. depois viravam-se para as mulheres. tocavam-lhes com os seus dedos sujos. muitas vezes arranhavam-nas por dentro. traziam pedaços delas agarrados às unhas. riam-se. riam-se de tudo. arum navaro tacuni. arum navaro tacuni lava. poverto zole. funima sa darfuve no intragate si ma sus. quando se fartavam dos gritos arrancavam as línguas com objectos de ferros ou cortavam-nas com as suas facas ou queimavam-nas. disseram a meu pai: engole isto. e tiraram um pedaço de carvão incandescente do meio do fogo. a minha mãe olhava. eu olhava. deram-lhe pontapés nas pernas e nas costas até que ele se ajoelhou diante deles. riam-se muito. o meu pai chorava em silêncio e as gotas de suor que tinha no seu rosto eram gigantes. abriram-lhe a boca. atiraram aquela bola incandescente lá para dentro. gritavam: engole engole. riam. o meu pai tremia de dor deitado naquele chão de terra. contorcia-se. a mim levaram-me. foi a última vez que o vi. é a última imagem que tenho dele. um homem em sofrimento. sem qualquer tipo de dignidade. e eles. eles eram nada. tinham o rosto da morte. provavelmente já se tinham espalhado pelo mundo como uma doença. tal como a imagem que me dominou a cabeça durante todo este tempo foi uma doença. mas chegou o momento da sua cura. chegou o momento da vingança. fuba nugare frago ja rogale. tupre tupre. su into nu cassami. nu cassami su into la bucuna. o sangue dos meus antepassados vai voltar a viver através do sangue dos homens mortos. o rosto que queimou o meu pai irá arder debaixo do sol.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

a homenagem do dia. em estudo.

















assim corriam os dias
mergulhados em tinta
mergulhados nas cabeças alheadas
as crianças derrubavam paredes
os corpos soterrados
eram assim os dias
cheiravam a cama
eram dias sem sono
eram dias dançados
as malditas cabeças que tudo comem
era o sangue
era o sangue
era a vista distante
era o sentido que recusava a partida
que não sonhava a chegada
uma núvem de fumo
as imagens repetidas
cabelos de fogo
casas vermelhas
corpo derrubado
luzes
ardente melancolia
pensamento voador

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

banda sonora dos dias


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

visitava-me a melancolia. era cedo. de manhã. eu dormia com um pouco de luz. dormia em sobressalto. chegavam pássaros gigantes nos meus sonhos. agarravam-me com as suas garras de fúria e levavam-me para longe. era um quarto de plumas. as paredes eram brancas para aumentar a claridade. de repente eram animais carnívoros. os sonhos como uma torrente. insecticida no sangue. os braços caídos pela estrada fora deixavam uma linha vermelha. ninguém a seguia. só o silêncio. a coisa lá ia à vida. lentidão. visitava-me a melancolia nas manhãs púrpuras. depois de noites incendiadas em torturas magistrais. a rebentar disperso por dentro. no meio de gritos confusos. no meio da imensidão da gente. vestido de vergonha. como se os dias fossem estranhamente ácidos. cobertos pelo amargo.

banda sonora dos dias

saquei por acaso este senhor de uma página que costumo visitar. é um álbum de 1970. é provavelmente uma das coisas mais incríveis que ouvi nos últimos tempos. jeremy storch.

domingo, 17 de janeiro de 2010

banda sonora dos dias

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

a necessidade de desenvolver uma teoria em relação a esta estética de crise cega tem-me surgido com o passar do tempo e com o desenrolar de acontecimentos. de repente tenho uma estranha necessidade de me explicar mais do que claramente. é uma exposição absoluta do eu. uma exposição que se vem criando desde os inícios do acto escrita. lembro-me da primeira vez que experimentei o poema. o que é isso do poema? o poema? o poema enquanto forma mais absoluta de todas as formas escritas, com as suas regras próprias e a sua verdade inerente, a sua verdade fabricada. era natal. estávamos em casa da minha avó em portalegre. o natal aborrece-me terrivelmente desde sempre. eu já andava com o vício dos cadernos mas ainda só tinha a aventura das frases. escrevia frases. frases enigmas. as verdades absolutas da juventude. os pensamentos da morte e da desilusão inevitável. o mergulho na violência dos dias. a frase exorcismo. a questão hamlet. um turbilhão de pensamentos que se aceleram dentro da cabeça e um inevitável desinteresse pela acção. talvez esta seja uma imagem já projectada e por isso tenho de desculpar a sua destruição, são as partidas da memória. era natal. estava em portalegre. depois do jantar de família subi ao andar de cima onde ficava o meu quarto. peguei no meu caderno. sentei-me numa secretária. havia muitas secretárias espalhadas pela casa. o meu avô morto era solicitador e tinha um escritório. as secretárias foram ali ficando como recordações de uma vida que agora era apenas memória e pó. sentei-me numa cadeira de madeira e escrevi no meu caderno preto sob a secretária mais antiga. experimentei isso do poema. dessa junção absoluta das palavras com o pensamento. ainda era apenas um fragmento da realidade. deveria ser uma frase simples mas fragmentada em verso. não me lembro e esses cadernos não existem. como aliás quase tudo o que escrevi não existe. sempre tive essa estranha necessidade destrutiva, ou auto-destrutiva. devo ter gostado da experiência. as palavras sobre o papel com a sua vida própria. como se projectassem uma luz característica. uma luz que só elas possuiam. aí, nesse dia, começou aquilo que seria o problema. todas as pessoas criam o seu problema, que é o mesmo que dizer que todas as pessoas criam o seu caminho. nesse dia algo em mim se transformou, alguma ruptura radical se produziu em mim, não tenho a certeza disto. a partir desse momento os meus cadernos já não eram mais os cadernos da escola, eram cadernos de rabiscos, de frases, frases amontoadas, textos à margem, textos de revolta pura e adolescente. penso que depois disso surgiram as leituras, os livros, começa-se a ver que o problema que se assume tem contornos que tocam noutros. o problema vai-se tornando global. de repente o problema é uma estética. de repente o problema é uma procura da forma. de repente o problema é um mergulho. um salto no infinito. uma ruptura com a vida. dos livros dos outros retirei as palavras. os livros dos outros eram livros meus. copiei-os na cabeça. escrevi as suas frases como se me pertencessem desde sempre. dos livros as palavras. da vida o ritmo. quando se vive mergulhado na violência há várias formas de torná-la suportável. eu tinha o vício do poema. o maldito vício do poema. decidi-me então a usar a violência para que ela agisse contra si mesma. haveria de escrever a maior violência de todas. o poema mais interno de todos. o poema da carne. onde todos os fantasmas pairassem como vultos escritos a sangue. é uma opção de infância. quando te fechas no quarto e esperas que termine a guerra. e só esperas que termine a guerra. para te poderes movimentar livremente no meio de uma paz armada. com o poema acabou essa paz armada. de um lado havia guerra e dentro do quarto começava a produzir-se outra. uma guerra silenciosa. uma guerra em que as palavras não eram gritadas. em que o sofrimento não era inútil. afinal a angústia servia para alguma coisa. tinha um objectivo. tinha ganho um propósito maior. tinha-se tornado arma. com a guerra poderia criar frases. a minha mãe agarrou nos meus cadernos e com a sua incompreensão de mãe desmascarou-os à sua maneira. viu-se neles. deve ter-se visto obscuramente pintada. o que ela não sabia era que nada do que ali estava escrito lhe tocava. a minha guerra era com o mundo. o mundo. o mundo que de repente se torna palpável e insignificante nas batalhas de um adolescente. o mundo que pode ser vencido ali. na dimensão de uma folha de papel. estava traçado o meu rumo. devo ter escrito coisas horríveis. mas não fazia mal. era a escola. e quando um poema se tornava fluente na sua inocência e se mostrava à gente. e a gente gostava na sua inocência do que ali estava escrito. não era do sentido. não podia ser do sentido. era da forma. era da opção da forma. era a pergunta que se colocava depois de uma afirmação verdadeira. que a adolescência identificava como verdadeira. porque era sua. a pergunta era sua. e depois descobre-se um dia que é possível transformar as coisas em metáforas. há uma explosão. uma torrente de metáforas começa agora a mascarar as frases. tudo se torna enigma. máscara de angústia em forma de fogo. aprende-se a mostrar um mundo interno de uma forma que não é clara. não se sabe bem para onde se caminha. é um terreno minado. mas a guerra não pára. a guerra insiste. e mais os livros que se vão acumulando. e novas conjugações de palavras que se vão descobrindo e a magia dos autores que vai apaixonando, criando rupturas na escrita, dando novas perspectivas, abrindo portas. depois os cadernos acompanham os braços com cada vez mais naturalidade. a guerra acompanha a cabeça de uma forma cada vez mais obscura. os fantasmas não se resolvem. vão-se resolvendo. a violência que educou os dias, como fugir-lhe? é impossível fugir-lhe. tem de se enfrentar no caminho. tem de se lutar contra ela com todas as armas que se possuem. mas a arma é apenas uma: o poema. uma simples conjugação de palavras que são cuspidas ou vomitadas com angústia sobre um papel. e o tempo... o tempo vai desenvolvendo as feridas e ao mesmo tempo os anticorpos. aprende-se a mostrar as feridas. aprende-se a mostrar a frustração da violência que educou a vida. está-se tão embrenhado no ritmo das palavras que é já impossível fugir-lhe. as metáforas ajudam. a musicalidade das conjugações ajuda. o enigma ajuda. o ritmo torna tudo estranhamente suportável. mas depois surge o dia. e o dia faz com que a violência se vire para o corpo e as palavras vão-se tornando mais claras. mais exactas. mais cruas. e haverá o dia em que a violência tenha o seu derradeiro exorcismo. e haverá o dia em que a violência seja exterminada eternamente do corpo. e haverá o dia em que a vergonha da violência seja para sempre desmascarada que se obrigue ao desaparecimento. nesse dia, talvez se mude a escrita outra vez. talvez me sente outra vez na mais velha secretária que há em portalegre com a sua memória já ela de cinza. e talvez comece tudo do zero. desse ponto em que o absoluto volta a ser possível.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


o problema de woyzeck. uma espécie de medo do oculto. depois da tomada de consciência. a resolução. o peso do mundo. o poder. um poder social. um poder social que rebaixa os fracos. um poder corrupto no sentido humano. que alarga os seus braços até usar a violência. um problema que termina com a morte. no limite da crueldade. no limite da loucura.
eu estico-me e a pele estica. como uma descarga brutal que sobe pelo braço e que consegue atingir todo o corpo. como se o ponto em que a pele se junta com a pele se descolasse. se rasgasse. como se o corpo recusasse a sua cicatriz. como se a pele recusasse a sua cura interna.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

banda sonora dos dias

ponto de situação

disparar na direcção da vida. depois dos túneis em que se pode escrever a palavra merda. actualizações do sistema. comer azeitonas à chuva. partir vidros. saltar contra as paredes. cantar sofrimentos. fazer assados. continuar a detestar abertamente os fritos. sim, é verdade, é preciso ir ao fundo muitas vezes. escrever a palavra merda. agora já sem pontos. com a mão quase solta. mão arma. em volta da música. em busca de portas para o mundo. a definir estratégias. a esquecer rostos. lugares. casas. para o real caralho com a memória trapezista. hei-de voltar a escrever poemas. hei-de voltar a escrever poemas. há-de o meu corpo ilusionista voltar a arder nas noites silenciosas. de volta de um texto e a pensar no outro que virá. hoje começa a leitura séria. o silêncio. o silêncio.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

e assim se vai regressando lentamente à vida. tirados os pontos. com o texto acabado. um texto acabado... quem diria... mais uma etapa que se avista. ainda coberta de névoa. ainda obscura. um texto. umas palavras numas folhas de papel que querem tornar-se vivas, que querem ganhar um corpo, como se as palavras fossem gente, porque também as pessoas querem ganhar um corpo, também as pessoas têm a inquietação constante do respirar. as palavras. as palavras sobre o silêncio. as palavras do exorcismo. mais um exorcismo. por vezes é tão difícil puxar a carroça que mais apetece é ficar em terra. mas as imagens de voar. livre. talvez o absoluto seja uma coisa que nos metem na cabeça quando somos crianças apenas para nos assustar. assim se vai regressando à vida. com um texto que quer ganhar corpo e já com outro que se vai criando na cabeça. complexificar. partir de um texto de um para um texto de muitos. jogo. ver o sol lá fora. e os olhos enfiados no computador.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

diário 2010