terça-feira, 31 de março de 2009

uma história inacabada

o silêncio diz-te tudo
a vida acabou
não haverá mais vozes nem olhares
nem brincadeiras
nem sangue partilhado
nada
um silêncio
resta-te um silêncio
uma imagem qualquer da felicidade
uma manhã de sono
um calor nos dias
umas mãos redondas
os putos cresceram
o mundo ficou de repente mais pequeno
a cabeça que abre os olhos e olha para trás
e agora?
agora que fiz isto que posso fazer eu?
o que me resta?
e o mundo que é agora muito mais pequeno
assume de repente um mar gigante de possibilidades
é a vida vista com outra lente
e de repente
a vida assume-se num segundo
e nesse segundo nem todos amaram
nem todos tocaram na luz
nem todos foram felizes
nem todos acordaram com um rosto branco de manhã
nem todos tocaram em cabelos de fogo
nem todos
e agora que estás nesse ponto da morte parva das crianças
e dizes
merda
e voltas a dizer
merda
e mais uma vez
merda
e outra vez
merda
e pensas
que é isso que tens nos braços?
que te corre nas veias?
que é isso que vês quando te imaginas?
quando lanças um olhar carnívoro sobre ti mesmo
quando te rasgas
quando te sofres
quando te choras
o quanto que choras
o silêncio está aí
tempo
é apenas tempo
apenas tempo
alguma coisa que passa entre a estação do sol e a da chuva
entre a luz e a escuridão
entre o tudo e o nada
entre o amor e o esquecimento
mas é triste ires só metade por entre as linhas

segunda-feira, 30 de março de 2009

banda sonora dos dias

domingo, 29 de março de 2009

uma casa nova que é como uma revolução na vida. ar. luz. vista. silêncio. aqui será possível escrever um livro. eu acredito. devo esta casa e estes tempos aos amigos que se tornaram família. nunca me orgulhei tanto de fazer parte de alguma coisa. claro que o teatro cá anda, adormecido, mas cá anda. mas a vida também. e é o que tem de importar. é o que tem de importar.

segunda-feira, 23 de março de 2009

banda sonora dos dias

é um edifício brilhante
uma escadaria
é o que vês?
um edifício brilhante com uma escadaria?
pois está alguém à porta
esse alguém entra
sobe
começa a subir
os degraus são imensos
sobe
sobe
luta com o esforço
inventa-se
senta-se nos degraus
volta a subir
sempre a subir
lembra-se de situações particulares que se passaram em alguns degraus
não se lembra de nada
esquece-se
simplesmente sobe
até que chega a um lugar que nada mais tem à volta
nenhuma parede
muito pouco chão
espreita para ver o que subiu?
achas que espreita?
e se não espreita?
se se senta no chão
fechado sobre si mesmo
com o pensamento na subida
e com o medo da vista?
isto pode acontecer
é a vida em suspenso
é a morte lenta do corpo
porque há corpos que são comandados por cabeças
e há cabeças que são assim
efémeras
porque ele pode voltar a descer as escadas sem se deixar perder na vista
porque a vista pode ter a obrigação do salto
e ele pode ter o vício do desistir
porque também há cabeças que são assim
na verdade a cabeça pode muita coisa
porque a cabeça tem mecanismos
a cabeça tem processos
não achas?
a cabeça tem ou não processos?
os processos da cabeça são problemas
problemas reais
criados a partir de uma leitura da situação
uma leitura chamada pessoa
e na forma como essa pessoa leitura
reage ao problema exposto
que é sempre o mesmo
viver
nada disto é do outro mundo
ou achas que é do outro mundo?
cada pessoa dá os seus nomes às coisas
nomes que são imagens
não há separações na linguagem
chega disso
não achas que chega disso?
eu acho que chega disso
não há separações nas coisas
não há
o problema é que esse alguém que subiu as escadas
agora está ali sentado no chão
com memórias e com medo
exposto ao tempo
sem agir
não achas isso um problema?
é que está ali sentado
a arrancar a pele a si mesmo
dentro da cabeça que pensa o problema
a meter o dedo na ferida que a cabeça criou
porque não há feridas
que feridas?
não há feridas
há mortes violentas
mortes constantes
isso não são feridas
é banalidade
é treta
é formalismo
é pessoalismo
raspar a pele é importante
eu acho que é importante
uma vez tentei subir um edifício assim
com uma escadaria gigante
mas depois olhava para cima
e vi-os lá em cima a olhar cá para baixo
e pensei assim:
então vou subir o edifício para chegar lá e olhar cá para baixo?
para quê?
percebes o que estou a dizer?
eu sempre fui dos de baixo
as alturas são inquietantes
não é medo
eu pertenço ao limite dos de baixo
porque o limite não é só o céu
percebes o que eu estou a dizer?
olhar de baixo não tem mal nenhum
mas é mais difícil
é um caminho menos orientado
não tens só o caminho da escadaria
tens muitos
por isso é que há muitos que se perdem

domingo, 22 de março de 2009

debaixo do chão que pisas
a pedra fria
revoluções construídas com a força dos braços
esquecimento
esquecimento
é um tempo de esquecimento
toda a privação
inconsciência
não-consciência
sangue que não corre nos braços
nenhuma pedra para atirar
revoluções no sentir que se tornam sonhos
objectivos dourados de incertezas
canções repetidas
a luz que bate no olhar
onde está ela?
onde está?
senhoras e senhores,
let's rock the world!!!

banda sonora dos dias

há algo que arde
uma sensação nervosa de medo ácido
são descargas
consumidas
uma tensão suja
pessoas estrangeiras
vozes
- vozes? na cabeça?
- não apenas vozes
línguas
erupções cutâneas
veículos desconectados da rede central
rede mãe
pânicos diversificados
indiferenciados
estados puros
pelos que crescem
pele seca
garganta gritante mente muda
explosões constantes
modo desalinhado
vagabundeado
sitiado
asilado
longe de livros
e a vida a fugir
e a vida a correr
o sol nas avenidas
grandes áreas brancas da vontade
andar por andar
escrever por escrever
viver por viver
à procura do rumo

um dia tudo será
agora tudo é
etc... etc...

sexta-feira, 20 de março de 2009


há os que se afundam em garrafas e garrafas e nem assim se afogam, vão-se afogando.
seguem o ritmo do braço, braço estranhamente ligado ao corpo. com articulações, cartilagem, ossos, músculos, sangue, merda, pele.
é uma espécie de tempo decomposto. até chegar ao nada.
as mãos são a parte que eu mais vejo de mim. observo desenvolvimentos, pequenas revoluções, às vezes encantos, outras desencantos, passagens, cortes, calos, dedos. as mãos... construtoras de sonhos e de crimes. mãos inquietas, trementes, rudes, riscadas, raidadas, irrequietas, vitais. mãos de esboços, de textos insuportáveis. que limparam lágrimas, que disseram amo-te, quero-te, que amaram e tiveram o que diziam amar e querer. mãos putas. mãos vivas. mãos duras, brutas, mãos canalhas.
atiro-me com pedaços desfeitos de mim mesmo. quase que com palavras me corto. sinto-o como necessário. ela morreu-me. ela morreu-me. como será possível esquecer?

banda sonora dos dias. esta está absolutamente certa com este momento.

quinta-feira, 19 de março de 2009

havia um lugar secreto no meio da imaginação louca da idade
as crianças corriam e riam e sonhavam da mãos dadas
quase que voavam pelo ar envolvente
sem tocar no chão
eram crianças
tudo era como queriam que fosse
se de repente passavas e elas viam uma porta
tu eras uma porta
e elas abriam-te e fechavam-te
e passavam através de ti
sempre sem tocar no chão
era aí que morava o início da vida
tudo era branco
ou transparente
tudo era um brilho que durava para sempre
e elas lá te atravessavam
tu eras a porta
batiam-te para entrar
tocavam-te à campainha
de repente tinhas uma casa à tua volta
mas continuavas a ser uma porta
eras uma porta até que elas te vissem outra utilidade qualquer
porque poderias ser uma árvore
um avião
uma mesa
outra pessoa sempre chamada pelo trabalho que tivesse
agora és bombeiro
agora és polícia
agora és pintor
e tudo lá ficava guardado no olhar
no olhar que se recusava a cair na terra

banda sonora dos dias

e depois a verdade é que é necessário despertar para a consciência da incerteza da felicidade. já não se trata de andar em movimentos seguros e circulares. trata-se de afastar o pânico. trata-se de afastar a vontade. trata-se de afastar tudo o que ultrapassa uma concepção física do sentir. numa forma simples de dizer: é transformar a cabeça numa carta que nunca vai ser entregue ao destinatário. assumir que não vale a pena lutar porque o fracasso, mais do que inevitável, já se instalou no corpo e na vida. já a cabeça não se aguenta. já a vida se esqueceu. já o corpo está desfeito. tudo são formalidades e meras questões de tempo. antes da terra húmida. antes que se apague a luz.

terça-feira, 17 de março de 2009

fogem-me as palavras, é normal, é o corpo desconectado, também se me foge o pensamento, vai-se-me, foi-se-me, deixou o edifício. era uma vez um homem sem ideias. era uma vez. lá está o vício das histórias contadas.

- um dia raspo-me.
- o que é queres dizer com isso?
- opá não sei, olha, raspo-me.
- mas para onde?
- qual para onde? para lado nenhum. estou-te a dizer que agarro num raspador e desato a raspar-me até que me desapareça esta pele.
- tu estás maluco de todo.
- sei lá eu se estou maluco de todo ou só de metade. estou a falar de uma necessidade que tenho e tu dizes-me que estou maluco. deves sentir-te muito bem.
- ninguém se raspa.
- mas eu não sou ninguém. e vou-me raspar. já comecei a treinar no banho. lavo-me com muita força até ficar um bocado arranhado mas isso já não me é suficiente.
- porque é que não queimas a pele?
- mas alguém te está a falar de queimar a pele?
- não, mas sei lá, parece-me mais fácil.
- tu és mas é maluco, uma pele queimada fica queimada, pode regenerar, sei lá... não sei como funciona isso. eu estou mesmo a falar de ficar sem pele nenhuma. ir raspando por mim adentro, escarafunchar, raspar, não percebes o assunto, isto é uma cena minha e já vi que estas coisas não se podem partilhar porque os outros não percebem nada.
- deves ter a mania que és esperto. olha raspa-te como quiseres. cá para mim és um banana.
- queres levar nas ventas?
- de quem?
- de mim. pensas o quê? tenho aqui umas mãos que te podem chegar mais rápido do que aquilo que tu pensas.
- até as raspares, depois deixas de as ter.
- estás-me a gozar?
- um bocadito.
- tem cuidado que eu hoje estou lixado.
- ui, que novidade, estás sempre lixado.
- não tenho culpa.
- é, a culpa é dos outros.
- ninguém está a dizer isso.
- raspa raspa. é o raspa raspa. é o rame rame. é o mete mete. é o tira tira. é o vai lá vai.
- já não percebo nada do que estás para aí a dizer.
- talvez porque já não esteja a dizer nada. talvez já só esteja a falar por falar. ao menos não me ponho para aqui com basófias pseudo-tristes, nem a dizer que me vou raspar até ao tutano, ó farrapo.
- mas quem é que é farrapo?
- tu.
- tenho mesmo de me enervar.
- qual enervar, tu não andas sempre enervado?
- será enervar de enervado ou enervar de nervoso?
- sei lá, não consigo entrar dentro de ti.
- bem... olha lá o tom da conversa, olha lá o tom da conversa, daqui vais de carrinho pá.
- queres uma cerveja?
- pode ser. tens aí?
- não sejas bruto, estou a dizer no café.
- olha, pode ser, já estou farto de te ouvir. será que eles lá têm aquelas máquinas para espremer laranjas?
- porquê?
- porque, era cá uma ideia, talvez em vez de raspar-me pudesse antes espremer-me.
- estás parvo?
- sim.
- mete a cerveja num sítio que eu cá sei.
- olha, boa ideia.

segunda-feira, 16 de março de 2009

poema pouco interessante e sem título

obrigas o corpo à metamorfose rápida do tempo
perdeste o assunto mental
as coisas tornaram-se estranhamente físicas
internas como o sangue que te corre
ou os músculos que te movem
o objectivo último da vida é chegar ao osso
o objectivo do osso é chegar à cinza
também há o silêncio da mudança
o desaparecimento imaginário da cabeça
ritmo prolongado na criação do colapso
ilusionista a pele tornou-se obscura
linhas transtornadas precoces
olhos ruídos palavras de fogo
as feridas abertas do circular no mundo
do mundo porque a terra é só uma
já não tens a memória dos dias
nem a consciência das coisas
espero que o frio não tenha vindo para ficar
eternamente alojado neste corpo de ossos
bem, o texto anterior só está escrito assim porque eu estava com os copos. porque na verdade, chega de lamentações idiotas.

domingo, 15 de março de 2009

um dia acabei um pseudo-livro com este texto aqui, não deixa de ser irónico

reparem bem na ironia do que aqui vai, por isso é que eu digo que... os malditos papéis... e a maldita poesia... já ninguém dá valor a isso, é mais fácil deixar tudo para trás, já ninguém luta, já ninguém nada, já ninguém nada, esta é a verdade. já se está tudo nas tintas. nas tintas. a verdade é sempre mais simples e é pensada em silêncio. é o tu não me serves. um dia dediquei o que podia. tive piadas próximas pela rua. ninguém mais as compreendia, só nós, andava pela rua e pensava em ti. cartazes. hahahaha estou com os copos. estou com os copos e escrevo. é o pior que pode acontecer sempre. é verdade. aqui vai desabafo louco, não interessa, já nada tenho a perder, estou em processo, processo de quê??? isso lá interessa para alguma coisa agora? não é já tarde de mais? eram cartazes com flores. aquelas flores que eram nossas. ainda tenho algumas secas no meio de livros e de cadernos. guardei-as porque tu mas deste. mas pronto, não sirvo. não sirvo. não sirvo. não sirvo. é um menino sacaninha. reles. é pesado e é pouco. é pouco. estou a falar de mim. sou pouco. olhem, pois sou. sou ínfimo. mínimo. vácuo. todos vão compreender esse sentimento de desistência. é perfeito. ninguém vai compreender o meu processo. é incrível quando se tem o mundo na mão, eu já o tive também, ou pelo menos achava isso, eu já tive tudo o que queria, já destruí as minhas ilusões, estou-me a cagar, pura e simplesmente a cagar, estou em processo. hahaha processo. venham lá os palavrões: caralho de processo. treta de processo. obrigado a esquecer. obrigado a esquecer. na verdade isto mete nojo. se me meto nojo? claro que meto, sou impossível. senhoras e senhores, sou impossível. sou uma fraude. é assim... é triste mas é assim... vai-se chorando às escondidas pelos cantos até que um dia se seque tudo e não possa sair nada nunca mais. é tudo normal. mas, de qualquer forma, peço que me reparem neste texto com que eu acabei o meu pseudo-livro:


Sento-me e espero. É tudo uma questão de silêncios. Não procuro nada dentro de mim. Talvez não defenda nada. Espero. É a minha acção continuada. Recuso a visita de qualquer pensamento. É uma espécie de nudez. Uma forma interna de esquecimento. Vou para a rua. Ando. É uma imagem fantasma. O dentro é diferente. Sentado e à espera. Os pés marcam a hipnose. A cabeça de hoje consegue assumir o seu vazio. Cabeça janela. Cabeça à janela. Tudo passa. Vai-se com o desenrolar do mundo. O mundo desenrola-se enquanto eu espero. Eu vejo o mundo desenrolar-se com a minha cabeça despida. Silêncios. Tudo são silêncios por preencher. Silêncios para agarrar. Espero o quê? A resolução do segredo. Uma revelação. Um desenrolar de mim no mundo. Para o mundo. Do mundo. Do mundo. Reforçar para chegar ao silêncio. Reforçar-me para chegar à convicção de que vale a pena esperar porque nada mais importa para além do segredo. E depois do segredo revelado nada mais importa do que a sua resolução. As coisas tornarem-se finalmente coisas. Gritar no meio do silêncio para poder quebrá-lo. Gritá-lo convictamente. Certeiro. Mortal. Sair de mim porque o dentro já não é suficiente. Beijar o mundo. Beijar o segredo. Torná-lo na forma de amor mais pura. Fazer do segredo uma forma superior de luz. Agora é tempo. Já é tempo. Sento-me e espero o meu levantar. Vou para a rua e o andar deixa de ser uma imagem fantasma. O andar passa a ser a forma mais real de respirar. Sente-se o amor de uma forma quase louca. O corpo acende-se com o movimento do mundo. O mundo tem um nome que me visita enquanto durmo. Sonho constante. Não quero acordar. Talvez a minha espera tenha esse ar sonolento porque não quero acordar nunca mais do meu sonho. O sonho nomeado tantas vezes na cabeça despida e esquecida de si mesma para ter mais espaço para o nome. Nada mais. Nada mais. Nada mais importa para a cabeça. O nome aproxima-se. Agarra na minha mão. Eu estou sentado à sua espera. Antes não sabia da existência do nome. Agora não. Agora peço que o nome me agarre na mão e me leve e me embale no meio da vida. Peço que o nome seja verdade. Peço que o nome me leve no seu voo distante. Que me leve consigo até não haver regresso. Que o nome se torne eu e eu me torne no nome. Que o nome me ame como eu o amo. Que o nome me queira como eu o quero. Que o nome me sinta mágico como eu o sinto mágico. Perfeito. Tudo. Toda. Incrível. Só quero que me ames. Muito. Como eu a ti.


pois então, não é incrível? assim se acabou o livro EPIDERME. quem o tem que o rasgue. quem o tem que o imagine como uma frustração para quem o escreveu e que o rasgue. que o queime. que o sinta como um falhanço. foda-se, que tudo é um falhanço, um falhanço insuportável, corrosivo, com sabor a vómito e a ferrugem.
um dia volto, mas hei-de voltar como terrorista.

banda sonora dos dias

sábado, 14 de março de 2009





março... ontem ao abrir o mail lá vinha uma publicidade a um espectáculo de teatro, tudo isto porque se aproxima o dia mundial do teatro... o tão famoso dia mundial do teatro... em blogs amigos já se fala nisso e já vem o texto oficial deste ano, aquele texto que é lido em todos os espectáculos nesse tão famoso dia mundial do teatro. o dia mundial do teatro é irónico. os dias mundiais são sempre irónicos. claro que a ironia deste aqui me toca particularmente por razões óbvias, é do teatro, e o teatro... o teatro... o teatro... raios partam o teatro. a teatralhada viciante que circula no sangue e que se aguenta por enquanto até que sinta a necessidade de explodir. hei-de voltar ao teatro quando estiver quase a rebentar. explico esta situação: não sou propriamente um especialista da paciência e o meu nervoso miudinho anda-me muitas vezes nas veias a sacudir-se em convulsões, não é que me aborreça e detesto pessoas que se entediam facilmente, nisso sou como os gatos, uma bola já me chega, mas o teatro... dois minutos de mau teatro conseguem deixar-me num ponto em que os nervos me controlam, posso tornar-me facilmente insuportável quando me aborreço, detesto tédio, hei-de fazer o quê??? o teatro é realmente uma coisa gira e ser actor é realmente engraçado, é tudo muito bonito, é tudo como nos sonhos, viver aquelas cenas, a ilusão da classe, o ser quase diva, andar pelos escaparates como quem anda à chuva, tudo muito belo e amarelo. mas depois há os outros... aqueles que se estão nas tintas para a classe e para o escaparate e para o lado belo e amarelo, aqueles que o são por uma necessidade interna de explosão do eu para o outro, aqueles que estão desentranhados, desterrados, sacudidos por bombas atómicas, esquecidos pelo mundo, que passam fome, que vivem na guerra constante dos dias, que procuram comida no lixo, que procuram ombros. uns fazem teatro, outros são teatro. é normal. quase todos os espectáculos que se fazem neste momento são sobre a angústia, quase todos os filmes, quase todas as obras criativas desta nossa sociedade contemporânea sem ismos e chata são sobre a angústia. é um vício religioso. é uma necessidade estranha de mostrar preocupações teóricas em relação ao mundo. note-se: falo de preocupações TEÓRICAS em relação ao mundo. ultimamente nota-se sempre quando a teoria que sustenta um espectáculo é uma treta, geralmente fala da informação e da linguagem, isto são conceitos apanhados nos sociólogos/filósofos da elite burguesalhona dos 70's ou 80's que neste momento estão completamente ultrapassados. conceitos-chave da treta: manipulação da informação, orientação das massas, desintegração dos sistemas sociais, desintegração do eu, solidão acompanhada, individualismo exacerbado da sociedade moderna, fim do indivíduo, etc... etc... é talvez um vício deste novo já não novo século, mas ainda vem do século anterior. este século ainda não criou uma estética própria, tem umas preocupações, ambientais, económicas, pseudo-revolucionárias, etc... etc... mas a verdade é que o Ocidente ainda está demasiado seguro no seu aguentar do barco. de vez em quando surgem uns escândalos que provocam uns safanões mas que depressa se esquecem com a troca de cadeiras, nunca com um anular das posições. neste momento em Barcelona há uma inundação de cartazes com o tema SERÁ POSSÍVEL UMA REVOLUÇÃO NO SÉC. XXI? ora, é uma pergunta com uma resposta óbvia, uma revolução é possível em qualquer altura, a pergunta que se coloca a esta pergunta é: que revolução é que precisamos no séc XXI? e sinceramente, acho que o problema principal do teatro neste momento não deveria ser uma análise dos fenómenos, o problema principal do teatro neste momento deveria ser como tornar-se activo na transformação, que propostas têm os criadores de espectáculos, que se colocam fora do mundo para poderem analisá-lo com a sua intelectualidade superior, que propostas terão para o mundo? é que o teatro ensaio filosófico é muito giro e eu também gosto muito, mas há punhais que devem ser espetados até quebrarem os ossos. tudo isto por causa do dia mundial do teatro, esse dia em que as salas estão cheias e todos são amigos e participativos e todos se sentem estranhamente úteis. a mim o dia do teatro parece-me tão absurdo que não tenho intensões de lhe dar importância nenhuma nunca mais. o dia do teatro é todos os dias, quando se fazem espectáculos bons e maus, quando os actores são bons ou quando os actores são um desastre, quando as companhias fazem alianças e quando as companhias se dão facadas nas costas, quando se mendiga dinheiro para se fazerem espectáculos terríveis, quando actores saídos da escola do meio palmo de cara reclamam o teatro para si, quando os espectáculos são completamente vazios de sentido, tudo isso é dia mundial do teatro.
então chega de dramas.

sexta-feira, 13 de março de 2009

banda sonora dos dias

quinta-feira, 12 de março de 2009

é um obrigar o corpo ao esquecimento
na minha cidade há uma rua
nessa rua tu dormes
entregam a loucura em bandejas
o fumo no descalabro da cabeça
o caminhar silencioso e sem brilho
caminhar
seguir em frente em busca do branco
a tua pele
já não há enigmas
já não há regresso
a música ouve-se suave na cabeça estremecida
coração desfeito
voz ininterrupta
carne rasgada
sei lá eu o que digo
embebedado por questões ultrapassadas
sempre silencioso
silencioso
silencioso
é um nó
na garganta
que não deixa entrar nada necessário
uma cidade há-de vir
uma cidade e uma casa
estremeço
a memória prega as suas partidas
não tenho mais enigmas
não quero enigmas
é uma sonolência
lágrimas que colam os olhos até à cegueira
só depois do limite é que tudo seria perfeito
nada para agarrar
nada para perder
que a cidade venha com a sua rua
já pouco me toca
posso esquecer-me facilmente que estou vivo
é demasiado fácil
já é demasiado fácil

quarta-feira, 11 de março de 2009

no final de contas, estes textos são chatos porque pouco há para escrever.

terça-feira, 10 de março de 2009

os sete a um!!!

nem o futebol anima um gajo... já não bastava a sova que os meninos levaram em casa, como se o descalabro não pudesse ser maior, como se nada pior houvesse do que levar cinco murros seguidos no estômago e ficar calado... enfim... tanta coisa que já é suficiente má... ainda me levam mais sete!!! sete!!! que raio de número, pior, sete mais cinco é igual a doze!!! meu deus... é à dúzia, é a famosa cabazada!!! é o capote!!! é insuportável!!! para isto mais vale não ir, pela primeira vez na vida invejo a posição do Benfica!!! olhem, nem estou em mim. ainda bem que nem vi este jogo. é tudo a ajudar o pobre. eu, sinceramente, não sei onde é que esta gente anda com a cabeça. mais vale pegar na cabeça e andar por aí a espalhar cabeçadas contra as paredes. era baixar-lhes os ordenados. era fazê-los correr. enfim... umas ânsias e umas venetas e umas ganas. era correr tudo à estalada!!! isso é que era!!! zumba, um par de lambadas por cada golo sofrido!!! se eu fosse treinador... era tudo por uma orelha para casa. casa??? qual casa??? haviam de ficar na rua, sem playstation e sem internet!!! enfim... nem estou em mim. mas ao menos isto até que dá para rir um bocado!!! é uma daquelas vergonhas que ninguém acreditaria se não fosse pública!!! que farrapos. bem, é só futebol, dá para uma pessoa se divertir, mesmo que isso implique dar marteladas nos dedos para se acreditar que é verdade!!!

segunda-feira, 9 de março de 2009

a rua torna-se silenciosa debaixo dos pés que a pisam
muito pouco há para dizer
são armadilhas da viagem
tudo grita menos o espaço ínfimo do caminho
tudo o que grita é um convite ao abismo
ou saltas ou não saltas
a rua ganha um silêncio monstruoso enquanto se caminha nela
nem risos nem vento nem nada
alguém que caminha e uma rua
a cabeça não é para aqui chamada
a cabeça pode estar cheia de muita coisa
mas o texto é sobre os pés
sobre a planta dos pés
os pés e as pedras da rua
rua que se torna silenciosa
rua que não sente o pisar duro
corpo que pisa
um corpo que é pisado
que existe para ser pisado dirão alguns
mentira
existe para que se ande nele
não para que se pise

é voltar às confissões subjectivas
escrever chão ou parede ou tecto
e tudo ser demasiado irreal para que se possa olhar
ou acreditar
ao fim deste tempo todo lá fui ao cinema. não escrevo sobre cinema nem crio teorias sobre cinema. gosto de ir. mas o cinema mete-me medo. não posso ver coisas duras. hoje tive um dia triste mas tranquilo. normal. quero o sol. estive o dia quase todo em silêncio. escrevi mais umas coisas parvas no diário de bolso. uns apontamentos sem importância. falta de apetite. o cinema... silêncio. Revolutionary Road. ainda não sei bem sobre o que é o filme. ainda estou neste momento a digeri-lo. anda aqui às voltas no estômago. no meu silêncio. inquieto. filme duro para fases duras. um casal que se julga especial e na verdade... na verdade... na verdade... a verdade é difícil, a verdade é outra, é uma palpitação bruta que massacra o corpo com as suas unhas sujas. violência. amantes sem amor. limites. faltas de cuidado. solidões. chega-se ao ponto em que se pode dizer tudo, não se pode, diz-se, passa-se o ponto. pergunto-me o que será necessário para que duas pessoas possam ficar juntas? o filme não me dá nenhuma resposta. talvez se ele fosse para Paris com ela. se não estivesse já demasiado envolvido naquilo que dizia odiar. o último pequeno-almoço dos dois. a angústia que me provocaram quando faziam amor. pele lavada com raiva no banho. acreditar que tudo vai ser possível e que se acabarão os fantasmas. os fantasmas que se aproximam constantemente e cada vez mais rápidos. quando os dados estão lançados. a gravidez. é um acumular de coisas. sinto-me fraco agora. mas o que é que isso importa? gostei de ter ido ao cinema. quero voltar a ir muitas vezes.

domingo, 8 de março de 2009

último texto exorcista, último, último, último

barcelona, é uma manhã de domingo normal, com uma ressaca relativa, nada de exageros pela noite, o corpo já não é o que era. posso aqui discorrer sobre o corpo mas tenho medo de o fazer, não quero descobrir-me os suicídios constantes. o sol foi-se outra vez embora. o silêncio voltou a viver na casa. ouvem-se músicas tristes pelos corredores. descalço pelos corredores. fuma-se e chora-se o que se tem de chorar. a vida é mesmo assim. coça-se a cabeça. encostam-se as mãos nas paredes. amanhã é outro dia e depois de amanhã outro e depois de depois de amanhã será outro e assim por diante até ao fim do mundo. todas estas coisas são normais, demasiado normais. não se pode entrar na cabeça de ninguém. repete isto que é importante: não se pode entrar na cabeça de ninguém. nem na cabeça nem na vida. estás tão longe do que és. és? eras? foste? já nada disso importa. ando a falar demasiado para mim como se fosse outro. é uma fase de espelhos. é preciso que o sol volte a visitar-me. que o silêncio se encha. que os corredores se fechem. que chova tudo de uma vez. preciso de cantar. pronto, também preciso de dançar. preciso de cantar e de dançar. preciso de uma trégua com a vida. devia conseguir queimar todos os diários, todos os cadernos de apontamentos absurdos, pseudo-poemas, textos tristes, cartas por enviar. é um estar sensível. acreditar que tudo se vai resolver pelo melhor. não podes é prometer a vida que não tens. quem não aceitar isso não pode estar contigo.

para aceder ao pdf da última edição da revista A23

clique AQUI!!!

sábado, 7 de março de 2009

chegas ao quarto e vive um silêncio

um poema roubado

há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade


Al Berto

sexta-feira, 6 de março de 2009

irracional. nada a fazer.

pronto... só mais uma música... mas é que os meus textos andam tão chatos...



virado para dentro mas com as portas abertas. demasiado vulnerável. a vida é mesmo assim. preciso de me rir. este blog deve estar demasiado virado para o umbigo do seu autor... desculpem-me lá esta fraqueza!!! melhores dias virão. além disso estou naquelas fases. o que quer dizer que este blog não tem interesse nenhum... mas mesmo assim é a necessidade de me obrigar a publicar. só acredito em criação pessoal, não, só consigo pessoalizar a criação. enfim... como se não fosse toda a gente assim. andar para a frente. lutar por incertezas nunca mais. farto de medos e inseguranças e bola para a frente, que a luta seja uma partilha de coisas. que o mal desapareça. que o sono venha tranquilo. queremos o quê? queremos tudo. tudo. queremos ser felizes. é preciso não ter medo de arriscar. casas incendiadas. casas incendiadas. música nas alturas. cantar. cantar. dançar. exorcismo. chega de desilusão, tristeza, peso, que se foda o peso, que se foda o mal-estar, que se foda o pensamento, que se foda a crise. preciso de ouvir música nova.

auto-retrato 29#2

quinta-feira, 5 de março de 2009


era uma vez um cão. não quero começar assim uma história. na verdade, nunca quis escrever histórias, vou detestando histórias. vamos então esquecer a parte do era uma vez um cão. esquecemos o cão e, mais importante ainda, esquecemos o era uma vez. aqui está um belo exemplo de como se pode escrever quase sobre nada. escrita técnica. ritmo frio. pensamento nulo. tudo tem a ver com vivência e esquecimento. mesmo que o esquecimento seja uma luta com a sua anulação, a sua presentificação constantemente ilusória na forma que a memória assume, é muito importante mas tem a maior parte das vezes o capital do nada. roubo palavras a escritores. sou dos do plágio, desculpem-me o desabafo. na verdade tudo se trata de lutar com a mentira que se assume como natural desde o momento que ta inserem na cabeça. é à nascença. aquele início sobre o nada é porque a escrita necessita aquecer. ultimamente tenho perdido o ritmo. estou bruto, burro, insensível, sinto muito por dentro e muito pouco por fora, a vida é assim, colecciono desastres próprios. um Quixote ultrapassado, fora do tempo, fantasista, eu bem queria que tudo fosse perfeito, mas há uma espécie de medo que me invade e me corrompe por dentro cada vez mais, eu não sou egoísta, eu sou parvo. já sei, perco mais tempo a dizer mal de mim e do mundo do que a tentar resolver coisas. as coisas atravessam-me. o frio voltou quando não devia ter voltado. a vulnerabilidade dos lugares é assim... bate na cabeça sem perguntar se pode. disseram-me coisas feias. disseram-me coisas estranhas. coisas de fora do mundo. o corpo habitua-se ao desgaste. a cabeça nem é para aqui chamada. fecha-se tudo. fecha-se e fica-se fechado. apetecer dançar. o menino está assim. qual menino? é preciso acreditar.

quarta-feira, 4 de março de 2009

corpo transformado. desperto. gostavas de poder dizer-lhe tudo de uma vez. dizer-lhe que te leve, que te embale no seu sono, que se atire no teu sonho, dizer-lhe tudo. escrever-lhe poemas e histórias. agarrar-lhe nas mãos. dormir. dizer quero-te. repetir. quero-te. quero a tua luz. quero o teu ar. quero a tua voz. quero o teu conforto. tu agora estás aí e eu estou aqui. é uma distância demasiado próxima para que eu me esqueça ou para que não te sinta. estás aí. estás aqui. ainda bem que estás aqui. ainda bem que te vejo nas manhãs em que penso que estou a dormir. é um sonho tão bom. é demasiado bom. é um regresso a um caminho luminoso. já não tinha memória destes lugares em que tudo é tão claro. tenho uma casa incendiada e não tenho quem me ajude a reconstruí-la. tenho um amor guardado. tenho brinquedos. vontade de chorar. já não tenho medo. posso perder tudo, não me importa. poemas para ti. sol para ti. luz para ti. paz para ti. alegria para ti. o menino é assim... iludido. e a menina... só é a menina mais linda do mundo.

só não podes prometer o sol

domingo, 1 de março de 2009


andas sem tocar no chão. é um regresso ao branco. são saltos na vida. é assim. as coisas assumem um carácter luminoso. só queres fazer coisas bonitas. é claro que nem sempre consegues. acordas com uma luz suave. com um sorriso brutalmente mágico. sentes a sua presença entre o pescoço e os ombros, é um conforto tão irrequieto, só queres dançar, saltar, rir. a verdade é que estás vulnerável e isso é bom. estar vulnerável é também estar aberto. é querer passear. nadar. mergulhar numa felicidade que parece que te visita. uma voz. um olhar. gostavas de ser uma casa habitada. farto de ser casa de fantasmas. tudo é tão suave. os teus braços ganham algo de estranhamente eléctrico. queres pegar ao colo. agarrar. encaixar. se te visses de fora irias chamar-te de puto. infantil e inocente. a querer descobrir a vida. a querer correr com as mãos agarradas sobre a areia morna das manhãs. enfim... tanta coisa que te apetece. tudo tão imensamente gigantesco.