quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
fazer teatro?
há várias razões e todas elas são construções imaginárias. a primeira é porque se começou e se chegou a uma altura em que se lá estava. esse é o início do problema. é aí que começam as razões que decorrem desse acto inconsciente. o teatro aparece. depois está-se nele. depois justifica-se a permanência. a minha primeira razão é porque me vejo como o centro do meu problema e procuro mais respostas do que resoluções. enquanto vou procurando mais respostas mais problemas encontro. é um ciclo. a segunda razão tem uma ligação com uma perspectiva do mundo. aqui tenho sido claro. é a dramaturgia do mundo que interessa. não é que o mundo seja interessante para a cena, é que o mundo é tão pouco interessante que é importante passar a vida a desmascará-lo. desmascará-lo funciona aqui em sentido inverso com o que se imagina do teatro. há quem prefira mascará-lo. há quem use máscaras para voltar ao centro da vida e há quem prefira anular a vida e destruir as máscaras. tudo isto é teoria. realmente, chega-se a um ponto em que não se percebe o que se faz no teatro!!! pior, chega-se a um ponto em que não se sabe se se está no teatro!!! ela anda lá, mas as distâncias, o entorpecimento, o vazio, o não desenvolver problemas!!! é que o não desenvolver problemas é o caminho errado do teatro. fazer teatro é procurar os problemas. já não se trata de enfiar a cabeça no mar das respostas. não há respostas nenhumas. há formas. há perspectivas. há estéticas. o teatro pode muito bem ser virado para dentro. pode ser um enigma individual. muito provavelmente sou muito melhor no teatro do que o que sou na vida... é assim... é a sina!!! porque há questões de sina!!! já nem tenho paciência para joguinhos. o teatro que quero fazer é um teatro assumidamente filosófico, estou-me nas tintas para que seja compreensível, há tanta coisa que não o é, e estou a falar de mim, quantas e quantas vezes não fui eu já incompreensível??? nas minhas atitudes rasteiras, na minha sacanice, na minha velhacaria??? já lhes perdi a conta. e depois tenho as minhas influências reles no mundo artístico... as poesias... os gajos das rupturas... é difícil viver assim... por incrível que pareça vou voltar a fazer o Dostoiévski!!! já ando a meditar o crime!!! já sei que vou voltar ao buraco negro e fundo e que neste momento sinto-me verdadeiramente pronto para o fazer!!! sem falsas modéstias ou arrogâncias!!! neste momento sinto aquele ritmo, aquela palpitação, aquele remoer interno. é um espectáculo que podia ser feito todo numa língua estranha, só com sons do fígado!!! ser actor, para mim, é ter uma necessidade de se lavar. é como quem escreve para exorcizar fantasmas de dentro. a única coisa que aqui poderá parecer estranha é o porquê mostrar uma coisa assim tão egoísta??? é fácil, porque sem o público não seria experiência. sem o público não seria um exorcismo/sacrifício, na verdade o teatro está a um passo do suicídio, é um jogo perigoso, quanto mais perigoso for para quem o faz mais interessa a quem o vê. a história está contada. a Castro: há uma mulher que é morta numa determinada circunstância, quanto mais absurda for a circunstância, mais absurda é a morte da mulher, mais absurda é a solidão dos que ficam, não há rodeios nenhuns no argumento, há linhas de força, uma linha política, uma linha humana, coisas que se perdem e coisas que se ganham, mas a verdade da história é a morte da mulher, só isso é que interessa. no Subterrâneo (nova e mais uma versão), há um marmanjo que está acabado num buraco, a história não é o porque é que ele está acabado, a história é o como é que ele está acabado e diz o que diz!!! com a boca cheia!!! como se tivesse um orgulho secreto no que atingiu, ou não atingiu. fazer teatro é, para mim, simplificar coisas que eu não sei fazer na vida. para mim, é tudo muito mais claro num palco, as linhas são mais rectas, talvez menos interessantes... mas é o que sei... queria era um grupo de actores dos que comessem a madeira e uma sala que eu logo havia de gritar, sobem-me já uns calores, umas ânsias, umas angústias!!! tanta gente sem nada para dizer que se pavoneia por aí, pelas estreias parvónias, que até metem asco com as figuras que fazem... ai... até fumo!!! uns bananas... com a boca cheia de ar, que só querem é dormir sossegados, ir de férias relaxar, dizem uns disparates uns para os outros, riem-se todos, palmadinhas nas costas, fazem umas cenhangas a piscar o olho à moda e ao ministério... era metê-los a carregar baldes de massa logo às sete e meia da manhã que até haviam de ganir!!! e podem muito bem enfiar os prémios que tiveram ou que querem ter pela goela e morrer com eles atravancados na garganta que só conhecem para mandar papaias para o ar, cambada de ciclistas, com o paleio da esquerda unida, meteis-me fastio!!! ai ai ai... qué vivan las vacaciones del teatro!!! na semana passada estive a falar com uma actriz daqui, de vez em quando acontece-me, ora diz-me ela depois de uma converseta bem disposta, boa sorte!!! disse-lhe logo: tu é que precisas, eu estou de férias!!! e, umas semanas antes, ela tinha ido ao restaurante e tinha pedido uma água!!! e eu contei-lhe a piada: sabes o que diz um actor empregado a um actor desempregado??? e ela, não!!! e eu: traz-me uma água!!! hehehe que parvo... mas então... dá-me para isto... o que é certo é que qualquer dia vou ver um espectáculo seu e sei que me vou enervar!!! eu sei... estas coisas enervam-me!!! também a mim tudo me enerva!!! sou um bocado explosivo, fervo em pouca água e por aí em diante... mas hei-de fazer o quê??? enervo-me!!! isto é um problema que eu tenho de resolver sozinho, não vale a pena pedir ajudas. hei-de chegar a um ponto em que me esteja nas tintas, em que aprenda a relativizar, mas até lá... vou fazer o quê? ando aqui carregadinho de ideias, cheio de ânsias, o mundo a girar, eu a girar no mundo, nem sempre os dois na mesma rotação... ó pá, é tramado... mas é o que há. é o que há. sabem o que vos digo? sinto-me velho e cansado. e ainda nem aos trinta cheguei... ele há vidas miseráveis...
colocado aqui por
Pedro Fiuza
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