terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Não me lembro bem do seu nome. A minha primeira mulher. Rapariga abrutalhada do campo, fresca de carácter, rude no trato, uma mulher de pelo na venta apesar da pouca idade que tinha quando a conheci, sairia aos pais certamente, ou aos avós, ou ao rebanho das cabras que guardava pelo monte fora, porque isto há vidas tramadas e a ela tinha-lhe saído uma, já para não falar que me tinha eu atravessado no seu caminho para a tramar ainda mais. A minha primeira mulher do acaso era uma pastora. Encontrei-a no monte numa das minhas passeatas de quando era mais jovem e me dava para isso, pegava na manta e lá ia eu dormir ao relento, respirar ar puro, beber uma garrafa de tinto mau e comer um pão com toucinho. Era a idade da inocência, tinha lido poucos livros e as politiquices não se me vislumbravam no caminho. Lá ia eu pelo monte acima quando vejo uma miúda que falava maravilhosamente para as cabras. Sempre fui dado a visões românticas, sou assim, mesmo velho que não me cheguem com açúcar que eu derreto, bem, lá ia eu quando dou de trombas com este espectáculo impensável e único, uma moçoila brilhante, no meio do nada, meia descascada do tempo, a falar com cabras, a trata-las por tu. Enfiei-me atrás de uma árvore e fiquei à espreita, via tudo com o meu olhar abutre da mocidade. Via-a cagar e mijar ao relento com a naturalidade do hábito. Invejei-lhe a carne tenra e os poucos pelos que a cobriam. Não podia evitar um encontro que o destino ali tinha proporcionado, que me tinha proporcionado a mim, que ela aqui era um apêndice da minha viagem de mendigo. Ela tinha acabado de sentar-se. Dei uma volta grande para lhe poder aparecer pela frente com a distancia suficiente para não lhe pregar nenhum cagaço. Fartei-me de andar. Estava de frente para ela mas era-lhe ainda invisível. Avanço para ela a esbracejar como quem pede auxílio, ou água, ou uma porcaria qualquer desde que sirva de isco ao jogo maldito que lhe servia numa bandeja fria. Ela consegue finalmente ver-me. Retrai-se. Claro, estava ali com as cabras e há muito bandido por aí. Começo eu a gritar-lhe que não tenha medo, que não tenha medo, que estou só de passagem, ela levanta-se, com o cajado na mão como se estivesse disposta a lutar para se defender, coitada, se lhe quisesse comer a bucha já a bucha estava comida, sempre tive calma nesta refeições e sempre gostei do jogo. Vou falar contigo filha. Vou falar contigo e quando estiveres mais calma dou-te o remédio para a tosse que ando aqui há não sei quantos anos a aguentar os sapos na garganta. Quando estiveres mais relaxada já te digo como se apanham moscas. Chego-me mais perto, com o meu ar inocente de jovem meditativo, ela deve achar-me simpático, baixa o cajado e espera por mim, pergunta o que quero, eu digo-lhe nada, que estava só de passagem e se posso sentar-me um pouco a seu lado, ela diz que sim, está no papo, é desta. Lá nos sentamos. Conversa de treta de quem está no monte. Tudo monossílabos. Como se chama disse-me mas não me lembro. Talvez um nome de flor, ou de bicho, não interessa, os nomes são como as recordações mais parvas, esquecem-se e pronto. Ali estávamos nós sentados quando ela me começa a fazer perguntas sobre coisas íntimas, perguntava e ria-se como se soubesse a resposta mas se envergonhasse de a saber. Eu ia respondendo, claro, estavam lançados os dados, era só comer o que viesse. Passados uns momentos estávamos a falar de beijinhos. Ora, agarro-lhe no braço e espeto-lhe com a língua na boca enquanto a puxo para mim. Ela muito corada lá começa a dar à língua também, com a inocência de quem só ouviu relatos, puxo-a para cima de mim, sento-a nas minhas pernas e esfrego-a com as mãos loucas. Aproveito-me descaradamente da sua inocência. Toma lá dedos. Abro as minhas calças e meto-lhe a mão no meu caralho mais do que contente, no meu caralho inquieto, digo-lhe que o meu pardalinho está contente por vê-la e que quer conhecer a sua passarinha. Ela cora, claro, inocência. Lá lhe destapo as pernas. Pernas de menina. Meia dúzia de pelitos que lhe decoram o papo, tiro-a de cima de mim e deito-a sobre a erva. Digo-lhe que o meu pardalinho quer dar beijos na sua passarinha, entretanto vou-lhe dando beijos com a boca no seu sexo tenro, encosto-lhe o caralho à sua cona virgem e ela diz-me: “é por aí que eu faço xixi”, deita-me ali abaixo a altivez, esmorece-me ali a arrogância do sexo, respondo: “não faz mal”. Dou-lhe mais uns beijos na cona despida, levanto-lhe mais as pernas e meto-lho no cu, não teve tempo de dizer nada, deve ter mordido os lábios. Vim-me como um louco dentro de si. Era a primeira vez de ambos. Eu já tinha tido várias companheiras, as mãos muitas vezes, o roçar-me nos sítios até me vir enquanto pensava nas minhas estrelas de cinema preferidas da altura, muitas foram minhas sem o saberem. Mas esta, que eu agora não me lembro do nome foi a minha primeira de carne, não digo real, também as outras tinham sido reais, digo de carne. Vim-me no cu dela. Ela não chorou. No fim perguntou-me se era aquilo que os adultos faziam, eu disse que alguns sim, que outros preferiam apenas esquecer e fechar os olhos enquanto aquilo durava, que para muitos aquilo durava o tempo de uma eternidade aborrecida. Estava a ficar escuro. Tinha de voltar, ela, eu por ali ficaria. Disse-me: “vamos voltar a encontrar-nos?”, eu digo-lhe que só se ela quiser. Ela disse que sim. A minha primeira mulher de consentimento. A primeira que me disse sim, aquele sim que se imagina nas idades da mudança. Voltámos a encontrar-nos várias vezes. Descobrimos o sexo juntos. Fodemos de todas as maneiras e feitios. Cuspimos várias vezes o outro da boca e limpámos o outro outras tantas vezes do sexo, escorremo-nos pelas pernas abaixo enquanto íamos para casa. Era bom. Mas a vida... o monte... o mundo... na verdade o que nós tínhamos era amor, talvez um amor rude, mas o amor não tem de ser delicado, chegávamos e fodíamos e até à próxima vez. Estes tempos arrastaram-se muitos tempos. Já era quase natural. Ela fazia parte da minha vida de poeta, musa das minhas palavras de vento e de chuva, imagem perfeita da beleza pura, inocente, minha, de nada. Um dia passo e vejo-a na fonte a falar com um rapaz, bem vestido, mais novo que eu. Aproximei-me deles e falei-lhe a ela. Ele foi-se embora. No dia seguinte a mesma coisa. No terceiro dia mesmo no momento em que eu chegava ela diz alto para que aquilo soasse nos ouvidos dos três presentes: “Bruno”, nunca mais esqueci este nome, “Bruno, vamos embora que eu não conheço este senhor.” Matou-me ali. Morri uma boa parte de mim nesse dia e eu era ainda novo. Aquela negação pública do amor. Não foi o eu ter sido maltratado na frente de um engravatadinho que a merecia mais do que eu, foi o sujar de uma coisa que era na minha cabeça limpa, foi o acabar da esperança, da descoberta, foi o início desta feitiçaria malvada que não me deixa ter respeito nem acreditar que as mulheres amem. As mulheres querem ser bem fodidas e acreditar em sonhos. Não há cá descobertas. A beleza está na cabeça dos homens. A mulher consegue foder e pensar na cabra que lhe foge naquele momento, não é por mal, consegue fazer isso porque o seu corpo lhe permite. O homem, por muito que queira cumprir calendário... se não levanta o membro é porque não levanta o membro, o homem não tem grande capacidade de esconder o desejo ou o não desejo. É também por este facto que as mulheres conseguem ser mais dissimuladas que os homens, são mais capazes de apunhalar por trás, de esconder tudo até já não haver regresso, de aguentar a foda de um enquanto preparam a cama do outro. Depois desse dia comecei a segui-la sem que ela notasse, encontrava-os nos mesmos sítios em que os dois tínhamos estado, imagens em que nem eu acreditava, ela controlava-lhe os movimentos, encostava-o a árvores e chupava-o até que lhe saíssem todos os órgãos pela ponta do caralho. Como me doíam aquelas imagens, ainda hoje me doem. Mas mesmo assim eu não a largava do olhar, queria saber tudo, investigar tudo, como se precisasse de um termo de comparação, como se precisasse de me provar que eu era melhor que esse Bruno, rapaz finório com tiques de boa educação, cheio de promessas de boa vida no palavreado rebuscado. Passados uns meses andava ela com uma barriga que para todos era considerada uma doença. Ele não quis casar com ela, deixou-a por ali, com uma barriga doença, ela suicidou-se uns tempos depois. A minha mulher que eu não lembro o nome nem me esforço por lembrar. Chorei a sua morte como ninguém sem que alguém percebesse o porquê. Eu era o louco de serviço. Deixei a minha terra e fui para a cidade grande. Precisava de viver. Muito vivi. Mas nunca me saiu da cabeça a pastora. A pastora que eu amei secretamente, um amor impossível como qualquer grande amor. Depois vieram outras mulheres. Mulheres mulheres. Corpos despidos nas noites húmidas. Corpos que se escorriam pelas pernas. Sempre um vazio. Um sexo arrogante com um prazer louco. Descobri drogas. Descobri textos. Descobri gente. Os tempos agora são outros. Estou velho. Vivo de memórias. A pastora que amei como quem ama a vida. A pastora com quem fodi na descoberta que queria foder com esquecimento. Que queria perder o ritual, a nossa bandeira, o nosso amor puro. Ela tinha catorze anos. Eu tinha vinte e cinco. Idade da nossa morte prematura.
colocado aqui por
Pedro Fiuza
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3 comentários:
Pedro Filipe Pereira Fiuza,
Bom ano 2009, dentro do possível, apesar de tudo, etc.etc....
e bebe um cálice connosco (ver Anacruses).
Só agora vi o teu comentário (teu post de 15 de Dezembro).
A peça "Imaculados" (Teatro Aberto): espectáculo à tarde só há nos domingos (16 h, acaba às 18.20 h), ainda nos dias 4 e 11.
Já voltaste à Catalunha!?
A temporada da peça ficou reduzida, acaba já no próximo dia 11, não há dinheiro, os bancos recusam emprestimos, os ordenados de Dezembro ainda por pagar, a merda do costume.
Esta história da pastorinha fazia Luiz Pacheco remexer no seu túmulo, penso eu. Claro que tinha de acabar mal.
Mas pior é possível: lê o post "O Peregrino" do transmontano José Rentes de Carvalho, blogue http://tempocontado.blogspot.com/, post 12 de Dezembro 2008, link nas nossas "harmonias Anacruses".
Há coisas no mundo...
Abraço.
...bebe um cálice coNosco...
e não sou "anónimo"
...ou ainda pior "Ama de leite", mesmo blogue post 3 de Janeiro...
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