quinta-feira, 9 de julho de 2009

acordar cedo com o som da chuva dá nisto

como chegar à expressão das coisas no ponto máximo da realidade sensível? por exemplo, agarro numa palavra. morte. junto-a a mim. eu morte. eu a morte. posso seguir infinitamente o carácter do exercício. vou acrescentando riscos. palavras. descobrindo sentidos para o que escrevo. o que é importante é que se insiram na respiração da frase. eu a morte. é já uma frase com potencial. falta-lhe um verbo. eu a morte quero-a. altero. eu à morte quero-a. altero outra vez. a morte quer-me a mim. já me torno secundário nas linhas do mundo. e se inserida numa estrutura rítmica com o balanço suficientemente assumido. a frase pode dizer-se explosiva. a morte quer-me a mim. acrescentaria. puta. a morte quer-me a mim. a puta. a morte puta quer-me a mim. por aí em diante. isto são normalmente processos inconscientes de exploração do ritmo e do sentido. cada texto é único. não há correcções. não há voltar atrás. são palavras que surgem como um líquido pouco líquido. palavras mercúrio. o objectivo de um texto é chegar a um ponto em que o ritmo que tem dentro de si seja o ritmo da cabeça, não o ritmo da cabeça pensamento, antes o ritmo da cabeça verbal. a escrita como uma dança da língua. é um movimento do corpo sonoro que se conecta com uma fase profunda e por vezes obscura do pensamento. escrita realidade. já não há ficção possível nesta fase das coisas. talvez não tenha havido nunca. é escrever textos de ar. textos de respiração. textos feridas. textos de guerra. pode ser realmente que tenha a vida fodida e a cabeça em desvario. que as palavras me saiam como sangue. preciso que este sangue saia de mim até não haver mais gotas desse sangue. sangue história. sangue memória de terra. que estas malditas palavras saiam de mim até voltar à luz. a situação é de guerra. hei-de fazer o quê? só posso esperar que passe. não devia escrever coisas destas. deveria sair e passear e conhecer pessoas. uau. posso fazer tudo isso e continuar assim. com textos negros a serem escritos na cabeça. a serem perdidos para sempre. textos sem vida escrita. acontece-me uma coisa. ando pela rua. nesse caminho pela rua começo o texto. por dentro. vem o deslumbramento doentio da construção da frase. chego a casa e tento a passagem. não posso. não consigo. perco a mancha gráfica. porque um texto tem um grafismo inerente. e escreve-se com palavras e não com a cabeça. a cabeça está lá mas não é importante. a cabeça pode construir os textos que lhe der na gana. mas nunca serão escrita. serão possíveis poemas, possíveis ideias, possíveis imagens. a escrita é outra coisa. não que este pensamento não seja um bom exercício para a escrita, conjugações de palavras, de ritmos, de sentidos. mas a cabeça ela mesma não permite a leitura. não se pode publicar a cabeça. pode cortar-se a cabeça e mostrá-la por aí, pelos museus do mundo, pode cortar-se em fatias, pode mostrar-se o interior do cérebro, mas o que é isso? a cabeça está para a escrita como está para o teatro, só atrapalha, um actor não pode trabalhar com ideias porquê? porque ao trabalhar com ideias trabalha para as ideias e as ideias são irreais, não se vêem, o público não vê as ideias do actor, da mesma maneira que não pode ler a cabeça do escritor. isto são coisas físicas. registos. podem achar que lêem a cabeça do escritor enquanto lêem o texto, e aí ficam contentes porque pensam que o percebem. e é esse o engano. pensam que percebem a angústia ou a solidão ou a alegria ou o que seja. a questão é que há outros graus de entendimento que são partilhados com a escrita. outros tipos de comunhão. porque tudo se trata de comunhão. até o ódio é uma forma de partilha. nunca escrevi textos para serem lidos em voz alta. talvez por isso me tenha lido em público muito poucas vezes. agrada-me esta dimensão íntima. textos ao ouvido. claro que podem dizer que isto sou eu cheio de manias de escritor ou mandar outras patacoadas, como se eu neste momento conseguisse ter alguma mania. está de chuva hoje. talvez a chuva lá fora e o acordar muito cedo me façam escrever estas coisas. já não posso passar sem as palavras. dava tudo para ter tempo. dava tudo para ter tempo. hei-de revolver-me nesta merda. é uma promessa de um cão. hei-de resolver-me nesta merda nem que para isso me esventre todo, nem que para isso tenha de espalhar as minhas tripas cancerígenas em folhas brancas. lá estou eu... como se isto adiantasse alguma coisa. isto de estar triste é um pincel daqueles... vou fazer café.

4 comentários:

joao disse...

Os os teus melhores textos são os textos negros que têm riso sincero. É aí que te reconheço camarada. Este por exemplo.
abraço saudoso

joao disse...

FODA_SE!!!!! Não bebas mais uma cerveja! Não fumes mais um charro!!! Se assim fizeres, se comeres bem, vais ver que as forças te voltam caralho! ou queres ou não queres!!!... Queres ter aqui os amigos a chorar por mais um momento de tasca espanhola! DEIXA-TE DESSAS MERDAS JÀ! COME e COntinua a ESCREVER! CADA VEZ QUE TE der TENTAR O PRAZER DE BEBER SÓ UMA NA ESPLANADA NÂO o FAÇAS! O álcool é um depressoR do sistem nervoso central. Admirava-me se ainda conseguisses por o caralho de pé sempre que quisesses! VÁ lÁ! põe essa pissa no ar! GASTA O QUE TENS EM coisas para cuidares de ti! Foda-se!!

joao disse...

já decidiste que vais ser nos trinta? SAI DAÍ!

joao disse...

DOMINGO, JULHO 12, 2009
PARA UM AMIGO EM BARCELONA (AMO-TE MUITO)
And the moment will come when composure returns
Put a face on the world, turn your back to the wall
And you walk twenty yards with your head in the air
Down the Liberty Hill, where the fashion brigade
Look with curious eyes on your raggedy way
And for once in your life you've got nothing to say
And could this be the time when somebody will come
To say, "Look at yourself, you're not much used to anyone"

Take a walk in the park, take a valium pill
Read the letter you got from the memory girl
But it takes more than this to make sense of the day
Yeah it takes more than milk to get rid of the taste
And you trusted to this, and you trusted to that
And when you saw it all come, it was waving the flag
Of the United States of Calamity, hey:
"After all that you've done, boy, I know you're going to pay"

In the morning you come to the ladies' salon
To get all fitted out for The Paperback Throne
But the people are living far away from the place
Where you wanted to help, your a bit of a waste
And the puzzle will last till somebody will say
"There's a lot to be done while your head is still young"
If you put down your pen, leave your worries behind
Then the moment will come, and the memory will shine

Then the trouble is over, everybody got paid
Everybody is happy, they are glad that they came
Then you go to the place where you've finally found
You can look at yourself sleep the clock around

Belle & Sebastian, Sleep the clock arround