domingo, 14 de fevereiro de 2010

o último texto dos 20's

três décadas e depois o silêncio. nada mais a dizer. derramado o tempo por uma linha fragmentária. consciência. inconsciência. corpo. vazio. vontade. necessidade. palavra. uma pedra morta. a infância de gritos. livros de banda desenhada. livros de textos. mudanças de casa. o corpo que se mantém na sua ruína verdadeira. décadas. cidades. o amor. aquele que se estica ao longo da vida. olhar para trás. está frio agora. está um frio insuportável e lá fora desfilam as máscaras. caem-me bocados de chão em cima da cabeça. vinho tinto. beijos. bandas. drogas. danças. o maldito teatro do mundo na sua atitude contemplativa. era uma vez... já escrevi isto antes. reflexo. diante destes olhos caminham pessoas sons imagens coisas. a minha gata. a minha gata está doente. havia muitas casas na cidade. eram casas de alegria. um dia. demolição. pensamento. fase de reflexo. mãe. mãe. e o tempo caminha para o seu fim inevitável. algum dia o teu sonho bateu nas portas da morte? sim. todos. não é a morte infantil que te escava os caminhos da desolação. são três décadas entorpecidas. onde? onde estás? esta divisão é pequena para o teu horizonte sagrado. é um texto do sangue. um texto de despojos. guerra. guerra. guerra nenhuma diante de mim. passado presente futuro. alienação. a consciência forte do dentro já te poderia ter trazido a morte tantas vezes. e depois há os acidentes. há a história. há uma passagem luminosa de corpos sem cérebro. uma passagem de sons. de fúrias. imagens surreais enfiadas na garganta e que esperam o momento certo. vómitos. escritas. teatros. textos carne e textos cabeça. camas. ilusões. escolas. homens e mulheres. arte. dizem alguns. amigos. crimes. vergonhas. fugas. regressos. seres primordiais. estás no ponto da viagem. queres ponto de viragem. o cérebro queima os lençóis de sangue. já não és virgem. já deves ter despido a pele em quartos de areia cheios de sol ou de frio. e a gata está doente. aquela que é a tua filha de uma década está doente neste momento do tempo. os teus olhos querem procurá-la no meio do deserto mas só aparecem homens. gente. gente e gente e gente. vais beber o quê? vais onde? quem é o teu verdadeiro pai? o cabelo cai e as costas caminham na sua direcção futura. o corpo enrola-se para a terra que o comerá. os pais dos teus pais morreram. as mães dos teus pais estão vivas. tens um irmão. uma mãe. um pai de cinza. não suportas o cheiro da acetona nem podes aproximar garrafas de vidro do pulso. o telefone toca poucas vezes. foste um habitante de um país estrangeiro. vizinho e distante. que máscara tem agora o regresso? a máscara de um corpo sem posse. três décadas. o fisco. a segurança social é uma insegurança fantasma. gostavas de juntar todos os teu amigos e dizer-lhes obrigado. é carnaval. nos últimos anos o carnaval é uma festa mas agora não quer ser. silêncio. cascas de laranja nas pernas. grito. uma cidade no cimo do rectângulo foi o início de uma queda. chegar de manhã e ouvir a língua dos outros. aprender a ler. aprender a escrever. ter paz. ter uma maldita paz neste cérebro inquieto e megalómano. inventar palavras para estas frases. escrever um livro. um livro coberto por maldições. desinteressante. umas peças. aplausos obscuros à idade do nada. ritmos verbais. conjugações sistemáticas. quedas. solidões. solidões. solidões. corpo frustrado. poesia. ritmos. orações. viagens alucinantes na estrutura mental com amigos e com treta. talvez não saiba o que fica. talvez não saiba mais o que importam as coisas. bandas que tocaram em delírio. filmes. actores. textos. amor. amor. amor. amor. distâncias. fins. inícios. cabeça. eco. ego. parede luminosa nos programas retrospectivos da vida. falhanços múltiplos. vitórias. palco preto. frases. amor. partilhas. dois funerais presentes. o corpo da família branco e deitado. a família fraude que se chora para que se escute. silêncio. viagem de comboio. nascimento. família que traz a notícia que já se espera. saltos na cama. botas novas. irmão. irmão meu. maldita distância de espaço e de idade. este portugal moribundo. uma cidade. uma aldeia. alcongosta. fundão. porto. fundão. covilhã. lisboa. fundão. barcelona. porto. lisboa. porto. merda. teatro. restaurante. obras. teatro teatro. teatro. teatro. escrita. escrita. porque não vais para jardineiro meu filho da puta? porque não posso. porque não posso fugir a esta falcatrua que me deu vida. porque tenho de passar esta miséria de corpo de ossos enquanto combato moínhos quixotescos. enquanto dou porrada em aldrabices tão legítimas como a minha caralho. o colégio das freiras. os doces na sesta. a carrinha. a escola com o braço partido. depois a cabeça partida. depois o pé partido. depois os dentes partidos. entretanto duas vezes o queixo. mais umas feridas de guerras imaginárias chamadas infantilmente de medalhas. medalhas mesmo nunca tive. acho que nunca ganhei nada. uma vez um cabaz qualquer de natal ou de páscoa. um projecto falhado com uma encenadora morta. uns actores despedidos. uns gritos. castro. maldoror. subterrâneo. agora a mania dos textos próprios. mas que provavelmente não te levam a nada. uma cidade que te virou as costas. algumas pessoas. normal. os cigarros acumulados. bernardo santareno nas manhãs brancas da vida. shakespeare nos infernos. umas viagens na carrinha do toldo a desenhar o rectângulo. cervejas. cocaína. mdma. ácidos. pastilhas. charros diversos. speed. ópio e heroína não experimentei que não me apeteceu e não gosto do que conheço. md é fixe mas queima. coca é boa mas agarra. as bebidas são a lástima do corpo. umas cargas de porrada bem levadas e outras nem tanto. o costume. a porrada nem sempre depende de quem apanha. uns blogs. isto merece ser dito. uma cidade que foi um sonho que se acabou. fundão. psd fracasso absoluto. a ideia da cultura a tornar-se num balde de merda muito boa para poucos comerem. simpatia com todos. disponibilidade para tudo. muitos sonhos na algibeira. umas casas por resolver. uma cicatriz para tapar. ainda uns anos para viver.

7 comentários:

T.A.T. disse...

Consigo fundir-me nessas palavras!
Parabéns!!!

Rini Luyks disse...

Sei, caro Pedro, que a transição de "vintém" para trintão não é pêra doce, mas parabéns na mesma!
Mas já reparaste?, com o texto que escreveste ninguém tem coragem de te dar as parabéns...
O teu discurso faz-me lembrar os guiões do protagonista da série "Californication" (nas segundas-feiras na RTP 2, uma delícia).
Na Wikipédia brasileira: "Protagonizado por David Duchovny (o Fox Mulder de X-Files) Californication conta a história de um escritor com apenas um livro de sucesso e em crise de inspiração. A fala arrastada e com boca fechada de David Duchovny encaixou-se perfeitamente no personagem principal, ambivalente, talentoso e instável, o qual trafega numa sinuosa jornada de álcool, vícios e mulheres, mas que almeja, ao mesmo tempo e sobretudo, restabelecer a antiga relação amorosa com a sua ex-companheira (Natascha McElhone, muito boa), com a qual tem uma filha pré-adolescente (eu diria antes: muito precoce, brilhante papel de Madeleine Martin)".

Uma das coisas que eu aprecio no convívio no mundo do teatro é a ausência de tabus em relação a praticamente todos os aspectos da corporalidade humana. Nos intervalos dos ensaios da minha última peça de teatro por exemplo, lá na biblioteca da Assembleia da República, a conversa dos machos chegou com toda a naturalidade ao assunto "sintómas andropáusicos". Para a tua tranquilidade devo acrescentar que se tratou de alguns actores quase quarentões, mas realmente, os mesmos já estavam a ficar algo preocupados com certos fenómenos (não vale a pena estar aqui a explicitar).
Com a minha experiência (espero completar os 56 anos dentro de duas semanas) consegui convencer os caros colegas que não é tão mau quanto parece, pessoalmente estou convicto que os fenómenos são temporários e que a partir dos sessenta (os três vintêns, de facto!) é tudo só para frentex (sentido literal e figurado).
Para já aconselho-te a ver os episódios de Californication, a mim faz-me bem!

Eh pá, se isto não é um boa prenda de anos, já não sei.
Podias incluir no teu próximo best-seller...

Pedro Fiuza disse...

hehehe!!! ai vou incluir de certeza, pelo menos se houver best seller!!! sabes que isto também acaba por ser um estilo, ou seja, um hábito de escrita... enfim, mas de qualquer forma, dos 30's já não desço, a idade do charme começa agora (foi o que me disseram e estou para ver se é verdade), foi bastante divertido fazer 30 no dia de carnaval, embora não me tenha mascarado... até gostei de ter escrito este texto, foi assim uma espécie de último desabafo antes da vida nova... e obrigado pela prenda, meu caro, muito obrigado pela prenda!!! talvez ponha a sacar essa série!!! abraço

Anónimo disse...

Parabéns Amigo, Palhaço, Companheiro, Bandalho, Malabarista, Pendejo,....
Quando apareceres por cá logo levas que não penses que por chegares aos 30 já temos de te ter respeito!
Sô Pedro

Pedro Fiuza disse...

ó xôr pedro!!! beijinhos!!! tantas saudades da família... ai ai ai

Rini Luyks disse...

30, a idade do charme, sem dúvida.
Nós, nórdicos, dizemos que ficamos mais "mild" (a mesma palavra em inglês e holandês): generoso, benevolente, mas também carinhoso, afável, um pouco meiguinho até...

A quem servir a carapuça... (os holandeses dizem: a quem servir o sapato...)

Pedro Fiuza disse...

olha, talvez fique com bom feitio a partir de agora!!!