quarta-feira, 6 de agosto de 2008

A consciência da (des)humanidade, o fascínio Berlin, Muller e Pina Baush, o sublime absurdo do espectáculo


Heiner Muller tinha a noção plena do seu lugar como criador de história, como reflexo de uma história que podia e devia criar outra, depois da devastação da terra a necessidade de inventar processos de fabrico de vida, não de manutenção - que fique claro! Heiner Muller e Pina Baush, dois dos criadores de espectáculos, e falo de espectáculos e não de teatro ou dança, que mais longe levaram a responsabilidade artística do provocar sentidos, ou provocar os sentidos. escola alemã, não a escola alemã, escola alemã que cresceu com a consciência do crime que não cometeu, ou cometeu com o silêncio, com a consciência dos muros, com a consciência das fragilidades de toda e qualquer ideologia. não sei se poderemos falar em desespero nas fragmentações da vida destes dois sujeitos do mundo, não sei até que ponto o objectivo de tocar no absoluto se pode e deve confundir com desespero, ou a célebre frase é triste porque é belo, ou o que sei eu das coisas com a minha inocência de nada. quando Pina Baush faz um Muller Cafe, ela faz um retrato de uma Alemanha, de um grupo de obstáculos que impedem o corpo de se desenvolver num espaço saturado e demasiado denso, de informações, de um ambiente carregado de coisas do passado. Pina Baush dança, ela dança. ela começa do zero, como que se prepara para ir e vai. há algo de subversivo no seu ir, a procura do dentro, a procura do dentro em exposição directa. aquele medo que todas as ditaduras tinham do teatro poderia ser também porque não há nada mais subversivo que a exposição do dentro, poderia ser dos textos, poderia ser do lado simbólico da contra-ideologia, mas eu prefiro pensar assim, para os surrealistas nada havia de mais subversivo que o amor, mas o comunismo meteu-se ao barulho e o Artaud foi embruxado, Artaud que é sem dúvida um percursor do trabalho destes embora sempre num nível de projecção. Artaud não tem imagens. ainda que Muller se assuma sempre como um seguidor de Brecht (o manipulado da esquerda), a sua procura é sempre no sentido da Crueldade de Artaud, exemplo da procura do osso no Quarteto, osso no sentido de escarafunchar na sua ferida, mas da sua ferida que é a ferida do mundo. Pina Baush a dançar, procura imediata de profundidade, a música que dá a superfície, ganha a profundidade e a superfície, é plena. Beckett também foi assim, mas foi longe de mais e ficou no tempo. são para mim os três criadores que impulsionaram o que é o espectáculo hoje. os de depois da guerra. como se poderia lidar com o espectáculo depois de um holocausto? lá está, Beckett tem a distância, Heiner Muller e Pina Baush têm a responsabilidade e o corpo de um país com um crime demasiado pesado, mas também humilhado, dividido, sem opções suas, por construir. lá terão eles os seus fantasmas. Muller tem o suicídio recorrente da mulher, a cabeça no fogão a gás. Pina Baush tem o corpo, o fantasma corpo limite/libertação. têm as ruínas da Europa. para mim são os maiores criadores do séc.XX, falando dos palcos.

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