quarta-feira, 11 de novembro de 2009

cerimónia. o quase morto está deitado numa quase cama. sangra com um ritmo de alucinação. o seu sangue salta da barriga em direcção ao tecto. fonte vermelha. torrente interminável. em volta do quase morto estão familiares, amigos, desconhecidos e outros corpos de plástico. todos deixam cair lágrimas, mesmo os de plástico. a cena é perfeita esteticamente e apresenta a mais absoluta de todas as simetrias. uma música paira no ar. é do estilo clássico, claro. por vezes o quase morto lança uns sons de sofrimento profundo e como reacção todos os presentes soltam os maiores rios de lágrimas que lhes é possível, mesmo os de plástico. a música insiste-se, repete-se, espécie de mantra. é uma cena matemática. aqui não existe tempo. a cerimónia da quase morte é infinita. o sangue e as lágrimas recusam o seu fim. o quase morto rodeado de quase vivos e de corpos de plástico, inseridos na mais absurda bolha do universo, um buraco negro que suga eternamente o sofrimento irreal de seres estáticos, estéticos, com fluxos cerimoniais. só na morte verdadeira voltarei a falar de respiração. ainda espero a luz que me visite estas imagens. lá fora está o tempo. quieto.

Sem comentários: