segunda-feira, 23 de março de 2009

é um edifício brilhante
uma escadaria
é o que vês?
um edifício brilhante com uma escadaria?
pois está alguém à porta
esse alguém entra
sobe
começa a subir
os degraus são imensos
sobe
sobe
luta com o esforço
inventa-se
senta-se nos degraus
volta a subir
sempre a subir
lembra-se de situações particulares que se passaram em alguns degraus
não se lembra de nada
esquece-se
simplesmente sobe
até que chega a um lugar que nada mais tem à volta
nenhuma parede
muito pouco chão
espreita para ver o que subiu?
achas que espreita?
e se não espreita?
se se senta no chão
fechado sobre si mesmo
com o pensamento na subida
e com o medo da vista?
isto pode acontecer
é a vida em suspenso
é a morte lenta do corpo
porque há corpos que são comandados por cabeças
e há cabeças que são assim
efémeras
porque ele pode voltar a descer as escadas sem se deixar perder na vista
porque a vista pode ter a obrigação do salto
e ele pode ter o vício do desistir
porque também há cabeças que são assim
na verdade a cabeça pode muita coisa
porque a cabeça tem mecanismos
a cabeça tem processos
não achas?
a cabeça tem ou não processos?
os processos da cabeça são problemas
problemas reais
criados a partir de uma leitura da situação
uma leitura chamada pessoa
e na forma como essa pessoa leitura
reage ao problema exposto
que é sempre o mesmo
viver
nada disto é do outro mundo
ou achas que é do outro mundo?
cada pessoa dá os seus nomes às coisas
nomes que são imagens
não há separações na linguagem
chega disso
não achas que chega disso?
eu acho que chega disso
não há separações nas coisas
não há
o problema é que esse alguém que subiu as escadas
agora está ali sentado no chão
com memórias e com medo
exposto ao tempo
sem agir
não achas isso um problema?
é que está ali sentado
a arrancar a pele a si mesmo
dentro da cabeça que pensa o problema
a meter o dedo na ferida que a cabeça criou
porque não há feridas
que feridas?
não há feridas
há mortes violentas
mortes constantes
isso não são feridas
é banalidade
é treta
é formalismo
é pessoalismo
raspar a pele é importante
eu acho que é importante
uma vez tentei subir um edifício assim
com uma escadaria gigante
mas depois olhava para cima
e vi-os lá em cima a olhar cá para baixo
e pensei assim:
então vou subir o edifício para chegar lá e olhar cá para baixo?
para quê?
percebes o que estou a dizer?
eu sempre fui dos de baixo
as alturas são inquietantes
não é medo
eu pertenço ao limite dos de baixo
porque o limite não é só o céu
percebes o que eu estou a dizer?
olhar de baixo não tem mal nenhum
mas é mais difícil
é um caminho menos orientado
não tens só o caminho da escadaria
tens muitos
por isso é que há muitos que se perdem

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