domingo, 11 de maio de 2008

ficções da vida 4

quando andava na primária parecia um puto escanzelado que não tinha alternativas de futuro, sempre encostado às paredes, com uma mochila/carteira das quadradas que tapava as costas e ainda saía um bocado para fora, era tão grande e ele tão pequeno que pareciam umas asas. toda a gente conhece a malvadez dos putos... começaram a chamar-lhe Estorninho, porque parecia um passarinho pequeno e outras justificações... o nome pegou e lá ficou ele o Estorninho!!! ele não era de todo mau aluno e lá fez a primária com bastante à vontade... foi então para a Preparatória, onde as coisas começaram a vacilar mas mesmo assim sem problemas, já aí se começava a sentir uma certa distância que Estorninho sentia pelos outros. a Preparatória lá passou... Secundária a seguir... o mundo realmente novo, Estorninho sentia-se maior no meio daquela gente, sentia-se igual aos mais velhos, já não tinha aquela mochila/carteira horrível, etc... Estorninho sempre gostou de música, isso era bom, começou a vestir-se de preto, as manias dos adolescentes, e com o preto vieram as borbulhas, como os adolescentes também não são nada flor que se cheire... começaram a chamar-lhe Estorninho Varicela... cum catano... isso já é um nome tramado... mas pronto, os anos iniciais de Secundária passaram num instante, Estorninho começou a escrever poesia, a fazer umas cenas assim fora, era um autêntico rebelde, foi para Artes, começou a vestir-se com cores berrantes, fez uma crista!!! Estorninho Varicela era agora o maior punk do seu bairro, quer dizer, da sua escola... apanhava carraspanas que tocavam no épico, fumava charros até dizer que chega, desenhava bem... Estorninho Varicela!!! nunca o tal, um nome que haveria ainda de fazer tanta coisa... um dia lembrou-se de fazer uma banda para poder cantar os seus poemas. juntou um grupo de jovens que gostavam bastante de uns bons copos, nenhum tocava bem, mas todos tinham vontade de fazer coisas intensas e, acima de tudo, todos gostavam de música rápida!!! era esse o espírito!!! assim criaram os Alegria na Caverna, forma parva de citar a alegoria do outro e dar um nome meio gótico à banda. estavam todos contentes. toca de marcar o primeiro ensaio. ansiedade. no sotão do baterista, todo o equipamento que tinham, todos os intrumentos que cada um tinha, ali estavam todos, nunca se sabia o que seria preciso para um tema, já que era o início e era necessário criar um estilo!!! estilo... era punk, isso já toda a gente sabia, agora com que variações... era o que faltava descobrir. Estorninho era o Vocalist!!! um cargo da maior importância, agora com muitas menos borbulhas e Vocalist era só papar gaijas!!! a sua voz não era de todo má, diga-se a verdade. era uma voz inocente, uma voz reles, uma voz ansiosa. começaram a tocar, que altamente, a magia dos três acordes e vai... Estorninho Varicela a cantar a puxá-la toda! passado uns tempos, como já tinham alguns temas próprios e uma ou duas covers, pensaram que estavam prontos para dar um concerto!!! lá lhes arranjaram um sítio, numa garagem no centro da terra... tudo bem, lá foram eles preparar tudo, depois foram jantar, regaram o jantar com não sei quantas garrafas de vinho mau e digestivos péssimos, a caminho do sítio fumaram um par de charros, chegaram lá e aquilo estava à pinha, gente fora com latas de cerveja na mão, lá dentro tudo cheio, Elvis como música de fundo, tudo estava a correr bem... estavam contentes, nervosos, mas contentes. sobem para o palco com toda a convicção, Estorninho agarra-se ao micro, desatam a tocar como se não houvesse amanhã!!! o público em delírio. o som altíssimo. a música a disparar as convulsões da voz de Estorninho... tudo altamente. acabam. vão beber um copo com os amigos. as miúdas não os largam. Estorninho começa a falar com Lisa, Lisa gosta dele, ele acha piada a Lisa, vão passear, vão para um canto escuro, beijam-se e têm uma daquelas curtes de adolescentes à descoberta. passado um bocado voltam para junto dos outros, Lisa e Estorninho não se largam, estorninho pede a chave do sotão emprestada, vão para o sotão e fazem amor adolescente, diz quem fez que é altamente, fazem amor inocente, Estorninho e Lisa, dois teens apaixonados na noite do grande concerto dos Alegria... está a ser uma noite mágica para Estorninho. passaram-se umas horas, ele leva-a a casa, como assim é, beijam-se muito, trocam palavras românticas, ela entra, ele segue o caminho. senta-se num banco de um jardim, faz um charrito, fuma-o, escreve uma letra para uma canção de amor. aqui começa o declínio!!! no dia a seguir encontra-se com a restante banda e diz-lhes que vão começar a tocar mais lento, algo do estilo baladas e lamechices diversas, os outros gajos torcem um bocado o nariz... lá experimentam. não resulta. Estorninho diz que tem de reflectir. vai para casa, procura no seu guarda-roupa uma nova indumentária, já não se sente bem punk... não tem nada, compra um fato cor-de-rosa, escreve um anúncio no jornal para arranjar músicos novos. arranja. faz uma banda de baladas. muda o seu nome para Tilo, a banda para Magia na Noite!!! nunca mais vê Lisa. assina com uma editora. toca nas romarias todas, fica rico, compra um carro, anda com bué de gaijas, leva-as para a sua vivenda com piscina, começa a meter-se na cocaína, fica agarrado. está lixado. é o fim de Tilo. esbanja a fortuna em cocaína. vende o carro, vende a casa, acaba a banda, só lhe sobra uma gravata desse tempo, enforca-se com ela. ainda hoje se fala do concerto mítico na garagem. Lisa está casada e trabalha num banco, casou-se com o baterista que tem um gabinete de contabilidade perto das Finanças. Tilo era mais feliz Estorninho. Tilo durou pouco.

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