terça-feira, 27 de maio de 2008

primeiro texto como pedro fiuza o outro

o indivíduo conhecido como pedro fiuza foi ocupado por mim. a ocupação não foi realizada com o uso da força. no momento da sua deposição, o indivíduo conhecido como pedro fiuza prestou a seguinte declaração, para ser tornada conhecida por quem se interessasse por si, ou por quem caísse na esparrela de vir parar ao seu blog.

"estou a ser ocupado com toda a naturalidade. nestas fases de transição está-se demasiado vulnerável. as coisas fogem das mãos. esquece-se quem se é ou o que se procura. um dia nasci. da construção pouco há a dizer. foi como foi. enfiaram-me na escola, onde aprendi a escrever barbaridades, absurdos, maus poemas. copiei textos com outras imagens. cheguei mesmo a escrever um livro com a inocência de quem não sabe o peso de um livro. fiz teatros impossíveis. espectáculos de miséria. uns melhores e outros piores. amei com loucura. propaguei a chama da minha própria estupidez. servi às mesas. ajudei a construir casas. ofereci flores, poemas, músicas secretas, cantei no chuveiro. subi poucas montanhas mas as que subi serviram para me mostrar o sabor do ar do alto. bebi água em ribeiras. experimentei drogas. bebi. andei à pancada. disse o que não devia. falhei a promessas. viajei pouco e nunca tive grande dinheiro para essas aventuras. dancei como um louco em certas circunstâncias. plantei árvores. colhi fruta e tabaco. trabalhei em bares. fiz rir pessoas. fiz chorar pessoas. dei cabeçadas. mergulhei em rios. acreditei em sonhos. desiludi-me com um país inteiro. mudei para outro. gostei da luz. procurei trabalho. festejei coisas. deixei pessoas. tive medo tantas e tantas vezes. fui cobarde. tive coragem. amei livros. odiei livros. disse textos inteiros para mim pelas ruas, nos autocarros, nas árvores, no mar. destrui coisas. magoei-me. fui magoado. disse merda. disse bem. disse mal. gritei comigo e com outros. acabei um curso com uma alegria tão grande que tudo era absoluto. senti-me livre. senti-me preso. senti-me adulto. senti-me criança. subi e desci escadas. andei de avião. de barco. de bicicleta. amei andar de bicicleta. odiei políticos. conheci pessoas. andei sem fazer nada. fiz o pior Dostoiévski que se fez no Fundão, talvez o único. disse mal da Câmara. fiz o Maldoror. fiz o Maldoror. fraco mas feito. o Maldoror. disse palavrões um bocado por toda a parte. destrui projectos. sonhei projectos. corri. atrasei-me. comi coisas loucas. passei fome. discuti ao telefone. chorei nas ruas e em casa. ri-me como um perdido. dormi na rua. montei exposições. fiz teatro a acreditar. fiz teatro sem acreditar. desisti de fazer teatro e voltei a fazê-lo. fiz uma merda de um episódio das Chiquititas e odiei. fugi da polícia. pintei coisas. chamei nomes feios a pessoas. chamaram-me nomes feios a mim. corri. andei. saltei de pedra em pedra. brinquei com gatos. fiz amor. gritei amo-te. tentei suicídios. tentei viver. comi a sopa. tanta pouca coisa. enfim. de repente comecei a sentir-me estranho. quase deslocado. até que percebi que eu ia ficando cada vez mais para trás. cada vez mais a matar o que tinha feito. a queimar poemas na cabeça. armado em artista. a negar a vida. a negar mais e mais. e mais. e mais. e noutro lugar. com outra gente. com outra língua. outro ritmo. de repente percebi que eu já não era eu. eu estava ser invadido por um outro. lentamente. quase passivamente. ele ia-se instalando em mim. todos os dias mais um bocado. mais um bocado. até que percebi que na verdade eu já era uma pequena parte de mim. uma ínfima parte de mim. eu era um resto de um eu que já não me pertencia. e desisti. não valia a pena lutar. eu já era tão fraco. entreguei-me. eu entreguei-me ao que agora já era quase eu. ao eu o outro. ele eu prometeu que as condições combinadas não seriam esquecidas. eu entreguei-me ao esquecimento de mim. os dados foram então lançados. foi o lado que calhou. pedro fiuza"

pois então, esta foi a declaração que o indivíduo pedro fiuza prestou no momento em que foi atirado para a masmorra libertadora do esquecimento. e ainda bem, porque sejamos francos, foi gajo que nunca prestou para nada. andou por aí a laurear a pevide, armado aos cucos, a gozar com este e com aquele, com uma arrogância reles em relação a certas e determinadas coisas que envolviam certas e determinadas pessoas. muitas vezes nem palavra teve. um sacana da pior espécie. ainda bem que se foi. foi. ponto final. paz à sua alma e que arda lá nos quintos dos infernos, não tinha a mania do 666? pois muito bem, que vá ter com o diabo e que goze os banhos de enxofre. pseudo-maldito do caraças. gozão. sempre na penúria. choramingas. pé de salsa do caneco. nunca valeu nada. até vergonha do que era tinha. e acho que não batia bem da bola. era choninhas do toutiço. bem, agora quero ver o que é que consigo fazer com este corpo e com esta memória de rato que este gajo me deixou para me governar!!! eu quero ver como é que eu assumo as responsabilidades deste sacanório que espero bem que seja comido pelas taínhas lá do demónio. e este blog foi imediatamente confiscado por mim. tudo o que era desse tal de pedro fiuza esse é agora meu. é assim. se lhe fico com o corpo e com tudo, é porque lhe fico com o corpo e com tudo. espero que este blog passe a ser muito mais interessante agora que aquele maltrapilho se foi de vez. que seca. assino então: pedro fiuza o outro

1 comentário:

Johnny disse...

Tenho resistido a fazer um comentário, mas quando li que poderias achar que terias feito o pior Dostoyevsky do fundão, não pude deixar de contrariar. Foi bom, não sei se foi o melhor porque não há mais para comparar e dizer que foi o melhor só porque foi o único não me parece bem, mas foi bom e deixou muita gente orgulhosa de ti.

Quem se discute a si próprio, relativamente ao que é e ao que quer, só pode ser uma pessoa inteligente... e uma boa pessoa.

Espero que o blogue não mude muito.