domingo, 25 de maio de 2008

filtro

e o tempo passa-se com o seu ritmo e com as suas subidas e descidas e vaivéns e loucuras e caminhos cruzados e tempestades semeadas em copos de água e virtualidades mais ou menos necessárias e experiências mais ou menos realizadas ou entendidas ou uma merda qualquer. há aquelas alturas em que tens apenas o ar nas mãos, ar não, algo como o vento, que nem chega a parar nunca, que apenas passa sem chegar a tocar, que é um momento de tempo impossível de fixar, sem registo. escrever por escrever. merda. continuar a insistir. nisto. estar numa cadeira no centro de uma casa. tudo é branco. fechado. no meio da luz. o espaço apertando ou talvez abrindo. o branco absoluto não deixa aperceber bem. um puto com uma bola no braço. talvez uma arma. para um puto tudo é um brinquedo possível. tudo se transforma. cresces. escreves. dizes. fazes. merda. carregas a possibilidade do tudo e do nada. círculos. momentos fugazes. palavreado. flores. uma ou outra música que te faz dançar. um ou outro livro que te provoca o espanto e te deixa a pele da barriga colada nas costas porque talvez tenhas odiado determinantemente uma frase que te açambarcou a cabeça. que te bateu. que te esbofeteou. um ou outro filme que terias gostado de interpretar. o teatro não é para aqui chamado. sais de casa para gastar o sorriso dos dias. para preencher o seu vazio. para te dar forma ao olhar. à vontade. andar de bicicleta pelas ruas com o ar frio na cara. falar sozinho. ralhar ao outro que é o mesmo. que é o eu. o sacana do eu. esse eu que me leva. que me carrega. que me possui. eu. esse eu. o tal eu. este eu aqui. agora. com a sua marcha lenta incompreensível dentro do eu que é o eu eu. o egoísmo talvez abusivo que o eu eu encontra para si eu. esta seca que estou a escrever. que eu estou a escrever. que o eu me põe nas mãos a mim para que eu me escreva a mim. eu. egoísmo ranhoso. pedinte. infiltrado na máquina pela negativa. negativo para imprimir. negativo positivo. já estou outra vez a escrever merda. merda. merda. acendo o cigarro e o tempo passa mais um bocado. consumo mais umas coisas sem importância ou com importância a mais porque fazem mal mas isso não importa. limpo os óculos. espero o som do telefone. uma voz na rua. uma carta no correio. uma mensagem num avião que passe por cima da areia. uma imagem que toque. um momento de absoluto concentrado num sopro de ar. de fumo. de esquecimento. de verdade. de alguém que te pega na mão e te diz que chegou ao fim o exílio. que o mundo está pronto. que tens lugar. que podes viver. falar. sonhar à vontade. que de repente até és útil. que até tens um sentido. que te pega na mão e te diz pronto já passou. a chuva parou. olha o sol. pedro. olha o sol ali. acabou o exílio. podes acordar. toma um sumo de laranja. ou um beijo. ou um raio de luz. toma um raio de luz. aqui temos este tapete que nos poderá levar até à nossa casa vermelha da idade do sonho. a nossa casa de paz. podes acordar. mas o problema é que o exílio é uma forma subtil de tortura e de homicídio. e o poder acordar só é possível estando a dormir. porque um dia não se dorme mais. dorme-se para sempre. anda-se por aí a arrastar o corpo no meio de falcatruas ilusionistas. em busca de um flash. de uma droga que seja cada vez mais imediata. mais rápida. mais alta. mais impossível de suportar. de repente tudo o que antes era brilhante começa a ter a mesma cinza do mundo e tens de começar a iludir-te. a inventar pinturas para as coisas. a escrever poemas cheios de metáforas que não dizem nada para além da forma. o exílio começa a ocupar-te o corpo. a calcinar-te as entranhas. a espalhar-se pela cabeça. perdes a voz. a capacidade de ver. os óculos partem-se numa rua qualquer. cravas tabaco a desconhecidos. sangras. arrastas-te. talvez te pudesses ter resolvido um dia. se não te metesses em labirintos pedro. se não te enfiasses nesse monólogo chato e repetitivo em que a tua vida se torna apesar dos desequilíbrios e dos sinais e das posições e das bombas e das flores e da luz e da obscuridade. porque tu não consegues nunca resolver aquilo que és. tu andas aí. pedro. tu andas aí. nessa mecânica previsível. nessa alta impossível. e assim aqui ando eu a escrever para o eu. como o diabo em cima do ombro. o anjo caiu não me lembro onde. algures. não interessa. mas tu sabes que há quem te troca o ilusionismo pela magia. tu sabes. tu não sabes nada. vais para os palcos exibir a tua angústia. tu não podes saber nada. agora cala-te um bocadinho.

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